O Poeta
Nunca pensou em escrever versos. Nunca pensou, sequer, em escrever. Abordava os outros com diálogos triviais embora guardasse para si maneiras de ver e de estar que, uma vez expressas, atrairiam não admiração, mas desconfiança. Ser poeta era ser esquisito, diferente, alheio e incapaz. Na verdade todas as palavras, olhares e gestos chegavam para comunicar com os próximos mas havia os que, do outro lado do nosso mundo, talvez entendessem o que de tão especial medrava nas suas análises. Ele via o que escapava aos demais, dava importância ao que a generalidade não valorizava, em vez do trajo via o corpo, em vez do que diziam lia as metáforas, adivinhava os subentendidos, apreciava as posturas por serem caminhos de leitura. Quando deu por si viu-se sozinho. Estar só é estar acompanhado por si mesmo numa ilha deserta. Lá, tudo ganhava sentido incontestável e ninguém se opunha ao que pensava. Glória sentia-se sempre devassada. Ele adivinhava-lhe os artifícios, contava-lhos como se fossem coisas antigas. Um dia, furiosa, chamou-lhe bruxo e nunca mais quis atender o telefone. Quando Filomena surgiu na sua vida já trazia vincada uma maturidade rara. Achou-o interessante, tornaram-se amigos. – Se não fosse dez anos mais velha, casaria contigo. Foi muito duro convencê-la, mas acabaram juntos. Ela sabia que, se ele escrevesse, seria poeta.