Pedra
De tanto que procurei em vão, de tanta espera, esqueci outros caminhos que, ao tempo, poder-me-iam ter levado a Roma. Quem diz Roma diz Paris, ao lado da rua onde mora outra gente disponível para um copo, um cinema, um concerto. Mas, disse-me o coração, nunca seria a mesma coisa. Nunca, confirmei. Gastou-se o tempo e, do nosso caso, não ficou nada. Até estas evocações pecam por vazias. Há memórias assim, ocas, com lugar bastante para serem preenchidas com aquele baile a que não fui, aquele beijo que não tive, a aventura cheia de voltinhas que dariam um bom enredo se, em vez da minha vida, fosse um filme. Depois, muito tempo depois, vi-te. Mudaste. Estavas madura e sem graça, viúva, disseste. A conversa foi formal e, mesmo depois de tantos anos, tinhas, sobre mim, uma opinião próxima. Foi bom rever-te, disse-lhe. Estava, finalmente, morta a obsessão e dei comigo a lamentar que tudo o que nunca foi tivesse acabado assim. Percebi que tinha a alma vazia e o corpo cansado. Sem projectos, sem afectos, com os dias longos sem nada para fazer desejei, pela primeira vez, ser uma pedra.