Terra Quente
O calor amolece os corpos permanentemente suados. O zunido das cigarras é constante e há, breve, uma folga do tormento quando, pouco antes de voltar, o sol prepara um novo dia. No meio de nada, nascem na paisagem raras casas, caminhos para uma só pessoa, lugares verdes que ostentam também tons crestados e amarelos fortes. A evocação dos jardins faz-se na planta que resiste numa lata abandonada no peitoril da janela que deixou de poder abrir. Tudo se move devagar e o tempo arrasta-se numa monotonia também cansada, repetida. Se há folga, correm para o rio lamacento das enxurradas a montante e banham-se nus ou secam-se deitados nas pedras. Riem alto e voltam, sob o sol impiedoso de todas as horas, às tarefas do costume. Há uma professora na escola. Ensina o que sabe e, nos intervalos, cantam. Andam descalços e os pés gretados atestam a indiferença de andar. Quando a aula termina é tempo de vir a casa para comer. Jogam pedras às mangueiras e mastigam verdes os frutos que caem. Ao alto, inabalável, uma manga grande e madura fará a delícia de quem a consiga, ainda que esborrachada e a perder sumo. A noite chega cedo em roupagem vermelha e todas as estrelas são gordas. O pirão sai da mesma panela posta ao centro e o peixe seco, que se reparte pelos presentes, é comido ainda quente das brasas onde perdeu a maior parte do sal. Depois, uns amam-se e outros adormecem onde calha, muitas vezes na esteira de cana entrançada e raros em camas sem lençol.