Na Rua
Estou na rua. Desisti de ser a casa onde tu ficas, a cama onde te deitas, a malga em que bebes o caldo e aqueces as mãos. Ias, vinhas, ficavas e tudo o que se escurecia de silêncios passava a ser deserto, com a vida presa dos teus lábios mudos, dos teus olhos distantes, da tua pele insensível, fria, quase ausente. A pior coisa era ter-te muito longe ali ao lado. Por isso, saí eu, vesti-me de toda a gente que por aqui anda, meti-me entre as pedras da calçada, sinto os passos, vejo, limpo ou sombrio, o céu que há. Sinto o abraço das casas, a poeira do mundo, o vento a alisar arestas, por vezes a zunir melodias ásperas. Aprendi o frio, o calor, o tempo morno, a água da chuva, o regurgitar das valetas, as mulheres, os homens e os meninos. Sei distinguir os gritos, as vozes, o sussurro das árvores sob o ruído dos carros com pressa. De tanto aqui ficar, de tanto que te quis longe mas muito perto, poderia ser eu a tua rua não fora teres mais que uma, muitas ruas, outros lugares por onde te repartes sem ficar. Um dia vais querer que volte, noutro nem de mim te lembrarás.