Felicidade

Era novo ali. Achou tudo diferente do que esperava. Nunca nada é exactamente como imaginámos. Pessoas, coisas, lugares. Os iniciados poderiam sair da timidez e cirandar com um papel na mão não fosse aparecer o patrão. Levavam e traziam novidades, riam baixo, eram felizes. Ser feliz, disse quem sabia, não era viver à gargalhada, mas estar sempre tranquilo como se estivesse sozinho em casa, acabado de acordar de um sono forte, a ver pela janela um sol pleno. Ele sentia de outro modo. Felicidade é a indefinição que nos anima. Se estou animado transcendo as minhas capacidades e esforço-me por chegar bem onde esperam por mim. Cheguei a horas e ninguém soube. Cumpri e raros deram por isso. Olhando quase só para o telemóvel o mundo fica sem tamanho e a importância escoa-se e desaparece sem que percebam. Que primavera? Que livro? Que arte? Que gente na fila? Felicidade pode ser ficar mergulhado num universo de palavras, num pensamento obsessivo, a escolher tintas que, vencida a inércia, escorrerão pela tela, preencherão espaços, se tornarão tão densas como o amor. Nascem imagens novas, texturas fortes, equilíbrios que fascinam quem se deixou embalar pela diferença. Rompem figuras no espaço, ficam ou tornam-se abstracções, saem ou exaltam-se como se houvesse uma música interior, uma sede permanente, uma alegria que nos tira da vida para nos dar o amor, seja lá o que isso for.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 22/05/2021
Código do texto: T7261787
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