Essência

Depois do esmagar das flores, de as mergulhar no líquido quente, elas deixam o aroma vago no óleo que será depois unguento, perfume, essência pura. Muitas violetas foram assim sacrificadas e o intenso perfume dado aos químicos que o guardariam em frascos requintados por tempo indefinido. A essência raras vezes muda e pode mesmo cristalizar numa eternidade de contornos sempre esbatidos. Com as flores que ninguém colheu dura a fragrância o tempo de vida, sempre breve, da cor que se abre ao cimo da haste, se balança ao vento como se dançasse, que recebe insectos como se fossem amores vadios. A essência dos homens nunca ninguém viu. Regista-se, sente-se, sabe-se que está e que existe, mas fica-se sempre do lado de fora. Tudo o que se retira como útil é ainda informação certa, mas tão camuflada que a essência, que tantos chamam espírito, pode na tradução piorar, melhorar, ser o lado oposto do sumo que se concentra e que ninguém consegue provar ser do âmago. Amo-te pelo que és e o que és inclui, obviamente, a essência, o tal cheiro impreciso que é só teu. Nunca saberia definir-te integralmente e, por isso, me concentro nas partes. Tudo em ti é único e nem falo só nas impressões digitais. Sabes-me sempre a maçã azul e, por muito que queira ou me esforce, nunca acho as palavras certas que, reconheço, se perderam para mim.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 20/05/2021
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