Maria Pereira de Andrade (Maria de Conrada)

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Próximo ao final da segunda grande Guerra Mundial, nasceu Maria Pereira de Andrade, aos pés da Serra Geral, em 1944. — Consta esse evento ter sido em 1943, pelo documento de quando ela fora alistada para votar pela primeira vez no primeiro candidato a prefeito de Campos Belos (GO), o Chico Xavier.

DUMA FAZENDA À OUTRA

As famílias que trabalhavam na agricultura às vezes precisavam deslocarem-se por outras regiões, na busca de melhores oportunidades, condições de trabalho...

Maria ainda era uma criança, no dia e ano que se mudaram da Fazenda Livramento, Aurora do Norte (TO), onde nascera, para a Fazenda Gameleira, nos termos do Novo Alegre (TO), com os pais.

Nas labutas das roças, com os irmãos, vivera dias difíceis e felizes, ao mesmo tempo, pela infância e adolescência que tiveram por lá.

OS PAIS, OS IRMÃOS, AS BRINCADEIRAS

Os seus pais biológicos foram:

Antônio Ferreira de Sousa e Ciolina Pereira Andrade.

Os adotivos:

Cizernandes de Sousa Vila Real e Conrada Pereira de Andrade (irmã da sua mãe biológica).

“Irmãos, eu tenho demais, alguns nem os conheço. Os que morreram nem é preciso mencionar”, mas cita a maioria deles:

Demar, José Ivo, Celso (pastor em Mato Grosso), Erundina, Terezinha, Ciníra (mora em Aurora), Nite (mora em Brasília), Dira, Maria Nice, Kênia…

As brincadeiras eram as mais diversas: brincavam com bonecas, como se fosse gente grande, com mamoninha (catavam-nas para jogá-las entre si, como numa guerra), outrora reuniam-se em baixo duma árvore frondosa, faziam piquenique, comidinhas…

A Maria também era irmã do Domingos (Dominguinhos de Conrada ou, da Latinha), que sofria dum transtorno mental e vivia a correr pelas ruas da cidade, a bater uma varinha numa lata de leite ninho. As bananas que ganhava, inicialmente as comia com casas e tudo, ao final descascava as restantes.

A CHEGADA EM CAMPOS BELOS

Dois anos antes da implantação do Regime Militar no Brasil, aos 17, 18 anos, Maria segue a família na mudança desta, para Campos Belos (GO), em 1962.

Numa questão de tempo, na vida adulta, a sua diversão mais prazerosa neste encanto de cidade, se dava na zona boêmia da cidade. Não esconde o seu passado a ninguém. “Eu era rapariga, ia atrás dos machos”. Sempre deixou bem claro, para todos saberem. “Nunca descansei ninguém porque homem tem de sobra”.

NADA DE “VIDA FÁCIL"

Não fora uma vida fácil para Maria de Conrada naquele tempo, como pensam. Na cidade, tocou a sua vida de várias maneiras após deixar a casa dos pais, sem se casar. Vivera várias situações diferentes, sozinha, com colegas, e coletivamente.

Morou no Setor Bem-Bom com a amiga Cora e, em vários lugares, foram 22 anos de alugueis, uns 26 anos nos cabarés; nas proximidades do Curral da Matança, ao lado da rodoviária atual. Até situar-se num terreno da mãe, a dona Conrada; nas proximidades do Compre Bem; onde vive até hoje. Maria achava que nos prostíbulos a vida seria melhor, mas não fora. Enganou-se redondamente e pedia a Deus para sair daquele viver.

CAMPOS BELOS DO PASSADO

“O Campos Belos do passado era mais fraco, mas melhor, pelo sossego que tinha. Os barracos eram de palhas, adobes; morei 22 anos em barracos “shô” (moradia com estrutura inferior, a uma casa digna). Não tinha quase ninguém, só marmeladas; nem pensava deste meu setor ser tão valorizado como é! Onde era a biquinha, naqueles pés de buritis, era o lugar de brincar, farriar, pintar os canecos de Brito. Andávamos em carreirinhos de formigas. Hoje não tem nada disso, o povo construiu por todos os lugares, até em cima dos rios.”

TREZE FRASES DA M. DE CONRADA

01 — “Hoje em dia o povo procura médico para gastar o que tem".

02 — “Antigamente não se falava em derrames (AVC) e sim na congestão. Os remédios eram: aguardente alemã, o artimijo, o carrapicho-de-ovelha… Agora os hospitais estão tão bons, que ninguém pode ir”.

O3 — “Se alguém não tiver amor a Deus pior ao próximo".

04 — “Não é pecado corrigir o erro; tem pessoa que está errada da cabeça aos pés e ainda se dana com você; não reconhece.”

05 — “Votei pela primeira vez no Chico Xavier; foi o primeiro a trazer escolas, para a cidade e região”.

06 — “A minha vida é cheia de altos e baixos; para aonde as águas levarem-me eu vou”.

07 — “O povo diz que só dou para pedir, mas prefiro isso do que roubar.”

08 — “A riqueza que tenho, é a minha amizade”.

09 — “Naquele tempo a gente tinha amizade séria, as brincadeiras de hoje é para dar prejuízo; as pessoas só pensam em roubar."

10 — “Quando eu entendi, botei na minha cabeça e Pedia ao Divino Pai Eterno que me tirasse daqueles ambientes, mas tinha uma missão a cumprir. Só pude sair de lá depois dos 26 anos de cabarés”.

11 — “O Campos Belos do passado era melhor, pelo sossego que se tinha”.

12 — “acho-me melhor do quê uma mulher casada irresponsável”.

13 — “Sou muito, muito, muito simples, mas sou do meio da sociedade”.

PONDERAÇÕES FINAIS

A Maria de Conrada mantêm uma aparência saudável, jovial, mesmo com a idade que têm (próxima aos 80 anos). Uma estatura por volta dum metro e sessenta, conserva os seus cabelos aparados no estilo masculino, em tons de preto. Mulher sincera, espontânea, muito simples como ela mesma pondera acima; o que tiver de dizer ela diz.

Morre a defender o que pensa, o que sente. Amiga da família Vieira e de tantas outras, da minha cidade; uma pessoa formidável: a Maria! Amável, gregária, ama de paixão as boas amizades, antigas e recentes.

Uma vez ouviu-me pelo rádio e foi na casa da minha mãe ver-me. Neste ano de 2021 repetiu o gesto de visitar-me; tiramos algumas fotos, juntos e, ao olharmos como ficaram, apontei uma, a ela, recostada ao meu ombro e disse-lhe: “essa, eu não posso mostrar ao meu irmão” e caímos na gargalhada. — Provável que não, mas comentam-se que os dois tiveram uns 'namoricos' no passado distante: umas “bobices” de amor.

A Maria esbanja muita alegria pela vida, mantém uma saúde equilibrada, um astral às alturas… Apesar dos muitos Janeiros, ainda faz as suas atividades quotidianas, sozinha.

Conserva um círculo de amizade muito grande na comunidade em que vive e diz que só é vista pelas ruas do lugar, numa justa precisão. — Uma visita necessária, um trabalho qualquer. — Nas vendas das suas paçocas e outras guloseimas, num complemento da renda. Falante, engraçada, interativa, verdadeira, agraciada… Uma personagem lendária que compõe o arcabouço histórico da cidade. Não sairá das nossas lembranças, dos nossos corações, tão facilmente!

*Nemilson Vieira de Morais

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(10:02:21)