Como tudo acabou, Capítulo 03, Carreira Paralela.

Embora meu escritório tenha uma tendência de tratamento humanizado, não é muito recíproco o tratamento por parte dos clientes, muitos deles me parecem ter uma dissociação de personalidade em questão de horas.

Digo isso pelo seguinte fato, ninguém vai me procurar para ser amigo, best friends, ou algo do tipo, mas encontram com toda certeza, alguém que irá lutar pelo direito deles.

Tanto demonstro como os convenço disso todos os dias e assim tenho meus contratos assinados ao final do dia para conseguir me manter também.

Não sei o que ocorre na saída do escritório, que o cliente começa uma jornada de conspiração pela pessoa do advogado. O profissional de uma hora para outra deixa de ser a figura que vai lhe ajudar para o estelionatário e golpista.

Não achem que é exagero meu, vivo isso todos os dias, embora nunca tenha uma reputação de respeito. São duas a três ligações exaltadas de clientes que querem explicações por acontecimentos que eu sequer sabia de processos de outras pessoas que eles consideram parecidos com os seus.

Recentemente uma pérola foi até meu escritório com a velha e mais terrível frase que você pode escutar antes de fechar um contrato, “Causa ganha, Doutor!”. Foge que é cilada!

Bem, este senhor chegou com um pedido de benefício assistencial para idoso negado (direito previsto para idosos com mais de 65 anos e de baixa renda). Avaliando o caso, percebi que o INSS havia negado o pedido por falta de documentos.

Informei ao cliente e ele continuava a afirmar que nenhum servidor havia lhe informado que precisava de mais documentos, apenas deveria esperar.

Após uma longa conversa, percebi três coisas:

1. O cliente falava muito mal de outros advogados que tinham lhe atendido anteriormente;

2. Ele sempre apressava a fala e mudava o foco quando tentava explicar as visitar ao INSS;

3. Queria que eu fizesse de graça.

Bem, o conjunto da obra me foi um alerta gigantesco, aquele homem era confusão. Contudo, meu escritório estava passando por uma barra pesada, tenho esposa e filha para dar conta, confusão eu já tinha experimentado muitas.

Antes de aceitar o caso, disse que não queria mais ouvir o que ele tinha a falar de qualquer outro advogado. Respeito minha profissão e colegas, se a recíproca não ocorrer, culpa não é minha.

Após, pedi que me relatasse com calma tudo que havia ocorrido no INSS e fui anotando. Por fim, após explicar como o serviço seria feito e o resultado, mostrei o valor e o homem PULOU longe!

Contou toda sua história e como não poderia arcar com aquele valor, estava caro demais e que tinha alguém que fizesse mais em conta, um grande amigo seu.

Prontamente eu disse, tudo bem, sem ressentimento, pode procurá-lo. Assim fechamos nosso contrato.

Em dois meses este senhor começou a receber o benefício, felicidade e alegria até chegar minha ligação cobrando o pagamento que ele não havia feito em dias.

Após este momento, ganhei um inimigo que, de acordo com ele: “não aguentava um natal sem receber”. Incrível, não?

Além dele, muitos criaram conspirações minhas com as empresas que estavam processando. Da sala do escritório até chegar em casa, as pessoas achavam que eu iria roubar o dinheiro de suas contas bancárias ou surrupiar o auxílio-doença.

Jamais vou esquecer a situação mais absurda que me ocorreu, uma discussão com uma família inteira ao telefone (todos meus clientes), xingando de todas as baixarias possíveis outra minha cliente, sendo que todos participavam de um inventário “amigável e em acordo”.

As 22hs de um domingo recebo a ligação de uma mulher totalmente alterada, sequer reconhecia a voz. A irmã mais velha, cujo pai havia falecido e teve inventário aberto, não aceitava o fato de quer receberia apenas um carro, o único bem do pai, já que a esposa (que não era sua mãe), tinha muitos imóveis.

Após longa conversa explicando que os bens da esposa do falecido não tinham relação com ele, já que na data e regime do casamento não davam a ele nenhum direito sobre os imóveis da viúva, veio o furacão.

Imagine só, 10 irmãos gritando ao telefone, de um para o outro, xingando e esbravejando, dizendo que iam ligar para seu advogado logo pela manhã. Não sabia se ria ou chorava, eu era o advogado de todos, no contrato e tudo!

Bem, eu desliguei logo. Ligaram novamente e informei que aquele não era o tipo de conversa que eu manteria com pessoas alteradas, além de não ser o horário apropriado. Foi a gota para eles.

Chegaram antes de mim ao escritório na segunda-feira. Abri as portas do escritório todo tempo de lado, sem nunca ficar totalmente de costas para eles, sabe-se lá o que aquela tensão os faria fazer.

A discussão naquele dia foi tanta, que nunca mais quis atuar em causas de família e assim o fiz. Foi um ano louco que quase me afundou completamente por causa de um único processo e família problemática.

Daí então deixei marcado na minha cabeça:

“Posso e devo escolher aquilo com que vou trabalhar. Se vou ficar cansado ao final do dia, pelo menos que não fique louco junto”.

Francisco da Costa e Silva
Enviado por Francisco da Costa e Silva em 26/01/2021
Código do texto: T7168920
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