Como tudo acabou, Capítulo 02, Descoberta.

Recebemos no escritório deste professor, um caso vindo de outra cidade, no interior do Piauí. Tratava-se de um pedido de aposentadoria por invalidez, no qual o cidadão havia perdido a visão de um dos olhos, com grande chance de perder a visão por completo.

Nunca havia assumido um caso contra a previdência social, quis me arriscar, a questão era estudar e se meu professor iria aprovar minha tese.

Nosso cliente teve o pedido negado pelo INSS e considerado capaz para trabalhar, embora tenha perdido a habilitação para dirigir caminhões, sem ensino fundamental completo e com a visão comprometida.

Fiz o melhor trabalho que pude, foram 3 anos de luta que se encerraram agora há menos de 1 mês da escrita deste capítulo.

O perito médico da Justiça Federal (que julga os casos contra a previdência), informou que o cliente realmente tinha um problema na visão mas que não era totalmente incapaz de trabalhar. Perdemos no primeiro momento!

Recorri ao Tribunal, demonstrando que a incapacidade que atingia aquele homem não era apenas física mas tinha todo um contesto social, formando um conjunto que amarraria ele na miséria se o benefício não fosse concedido.

Ganhamos após 2 longos anos de espera.

Após aquele primeiro caso, acendeu em mim um calor que há muito não sentia, o desejo sincero de ajudar outra vida.

Ver aquela pessoa que antes estava plena em suas capacidades, com um ótimo estado de saúde e provendo sua casa, perder toda a capacidade para o trabalho e não ter condições de buscar seu direitos, me fez buscar outros que estavam na mesma situação.

Logo eu não tinha mais tempo para cuidar das causas do escritório do meu mentor, agradeci todo o apoio e ajuda no começo de minha carreira e informei, estava abrindo meu próprio escritório.

Hoje já são 3 anos trabalhando com benefícios da previdência social. Os problemas foram variando sempre entre pernas quebradas, doenças crônicas na coluna, doenças mentais, mães com filhos especiais, abandonadas por seus maridos e em busca do mínimo para seus filhos.

Sempre digo que a visita ao meu escritório se parece muito com terapia (já frequentei e irei expor mais a frente).

O cliente SEMPRE chega com algum problema, é normal. São poucos os que querem evitar situações futuras desagradáveis, não os culpo, a vida de um cidadão de classe média e baixa não comporta este tipo de planejamento, seria ótimo se tivéssemos tempo e dinheiro para isso.

De toda sorte, os problemas estão lá e muitas das vezes o cliente apenas não consegue expressar. Com toda paciência e humanidade, acredito ser trabalho do profissional perguntar “Tudo bem? Conte-me em que posso ajudar, vamos dar um jeito de resolver”.

Basta um olhar e tom de voz sinceros para que a sessão comece. Todos os problemas vão sendo desaguados naquele pequeno encontro.

Já vi sorrisos, choros de tristeza, pesar e alegria, além de surtos de raiva, novamente, tudo num dia normal. São apenas pessoas sendo pessoas e sentido suas dores e falando delas com um completo desconhecido que se propôs a ouvi-las.

O mais incrível de tantas reuniões com clientes é que você percebe a existência de problemas alheios ao seu mundo, já que se parar para pensar agora, quando você realmente se deu conta de que algum amigo ou conhecido tem tantos ou mais problemas que você?

Digo incrível, pois foge do comum, já que o ordinário é apenas deixar passar e viver como se apenas nossos problemas importassem.

É claro que de todas as pessoas que já atendi, não fiquei absorvendo suas mágoas e angústias, isso teria me matado no começo da carreira, sem exagero.

O que fiz e faço é simplesmente ouvir, compreender e atender as necessidades daquele ser, cheio de dor e necessitado, sem jamais me aproveitar de sua infinita fragilidade. E como são frágeis...

Para atestar minha frase anterior, entenda que o seguro social é procurado por àqueles que não têm condições de trabalhar, mas já arcaram com os custos através de seu trabalho.

Seja temporário ou permanente, o benefício vai ser entregue a um segurado da previdência para que ele tenha o mínimo para manter sua dignidade. Comida, casa e roupa, mais que isso através de um salário mínimo está com algum dos outros três apertado.

Ainda assim, as pessoas me procuram porque seus benefícios foram negados, ou seja, já estão sem trabalhar e há mais de um mês sem renda.

Trabalhando já somos entregues a sorte da vida e das eventualidades de algum gasto astronômico, o que podemos fazer quando não temos nenhum real no bolso e doentes em casa?

Neste instante encontramos seres em seus momentos mais frágeis, pois eles querem o básico para se manter. Já estão passando por necessidade.

Dessa forma, minha vida como advogado se traduz em tratar essas pessoas com o máximo de dignidade, humanidade e honestidade possíveis. Custa alguma coisa? Não, mas tem um valor imensurável para o cliente.

Assim, minha carreira veio sendo moldada e meu escritório se tornou um porto para àqueles que queriam resolver seus problemas mas também para conversar um pouco, chorar um pouco, sorrir um pouco, aliviar a vida.

Francisco da Costa e Silva
Enviado por Francisco da Costa e Silva em 26/01/2021
Código do texto: T7168919
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