AUTO RETRATO

MEUS PASSOS JÁ NÃO SÃO TÃO LARGOS, JÁ NÃO HÁ PRESSA, ESTÃO CALMOS, CALADOS. ATENTOS, SEGUEM OBSERVANDO TUDO LÁ DO ALTO, MAPEANDO AS PISADAS DEIXADAS NO FRIO ASFALTO.

MEUS OLHOS JÁ NÃO VÊEM DISTANTE, DEIXARAM PARA TRÁS ALGUNS HORIZONTES. AGORA BUSCAM DA VIDA, EM SILÊNCIO, OS SEUS MELHORES FUMEGANTES ESTANTES.

MINHA VOZ JÁ NÃO ECOA, EMUDECEU FAZ TEMPO. MELHOR ASSIM, DEIXO QUE A ALMA, AMIGA CONFIDENTE INDECENTE, FALE POR MIM.

MEUS SONHOS JÁ NÃO VOAM TÃO ALTOS, VOAM RASTEIROS, RENTES AO CHÃO DO MEU CAMINHAR. AGORA, ANDAM DE CARONA, EM MEUS CHINELOS DE COURO TAO EMPOEIRADOS, MANTENHO-OS AQUECIDOS, PERTOS DE MIM, AO ALCANCE DAS MINHAS MÃOS, DO CALOR DO MEU DESTINO. FERVENTE EM MINHAS MÃOS. FRÁGIL CORAÇÃO.

ALADOS, VOADOS SÃO MEUS PAPAGAIOS DE PAPEL, MEU BRINQUEDO DE AINDA CRIANÇA, QUE ME DEIXO LEVAR ADIANTE, COMO SE EU FOSSE DOM QUIXOTE, O CAVALEIRO ANDANTE E SEU FIEL ROCINANTE, QUE BUSCANDO A BELA DULCINEIA.

MOINHOS, MOÍDAS AS MIGALHAS QUE SOBRARÃO, ALIMENTARÃO A FOME POSTA À MESA NA ÚLTIMA CEIA DO PÃO, DESSA LONGA CAMINHADA.