Segundo Fragmento
Dilemas de um Homossexual
Fora da igreja, e cheio de questões para serem respondidas, me perdi em um mundo de luxuria, falsidade, drogas e promiscuidade – me desculpem a “sociedade gay”, mas muitos de nossos pares são lastimavelmente cruéis. Minha vida, de um garoto regrado, devoto e sonhador, limitou-se a um ciclo vicioso de trabalhar durante o dia e acordar bêbado. Luzes piscando, musica alta, pessoas de todos os tipos e gostos, e muita, mas muita droga. Meus fins de semana eram regados de atos imprudentes, na companhia de pessoas talvez ate mais perdidas que eu.
Por muitas vezes encontrei jovens da igreja em uma de minhas noitadas, onde alguns deles eu ate cheguei a cuidar – enquanto cristão em comunhão, eu era líder de célula, ministro de dança, missionário, voluntário. Via nesses reencontros que eu não era o único que sofria por ser quem era, em um mundo religioso de intolerância – mais à frente vim a constatar que a intolerância é algo particular do ser humano, que possui uma predisposição a atacar tudo que não concorda, seja religião, raça, sexualidade, etc.
O período em que vivi dentro do armário privou-me de buscar conhecer todas as mudanças que estavam ocorrendo dentro de mim, e principalmente de ter contato com outros homossexuais de forma instrutiva. Nas baladas eu era carne fresca, inocente, maravilhado por um universo novo, porém gritantemente vulnerável, dono de uma carência sem tamanho, em um mundo de lobos sedentos. Jogar-me em um “mundo gay” aos vinte e dois anos foi como libertar um animal do cativeiro. Eu queria fazer de tudo, experimentar de tudo, mas não tinha malicia, instinto para lidar com as pessoas, e estava perdido, onde ao mesmo tempo que queria viver o que estava a minha frente, sofria internamente.
Com relação ao sexo, o fiz muitas vezes, mais do que gostaria, e infelizmente sempre pela promessa de amor eterno, cuidado e proteção – qual a dificuldade em dizer que quer apenas transar? Pra que usar de um jogo de sedução regado de promessas, apenas para levar a pessoa pra cama? Me entreguei a muitos homens apenas pela vontade de ter um protetor, de viver o amor dos filmes, de colocar para fora o turbilhão de sensações que me estremeciam por dentro. Doce inocência, amarga ilusão. Com o tempo e pelas experiências traumatizantes, fui me tornando alguém desacreditado no cuidado, no afeto, no amor entre dois homens. Entreguei-me então a diversão e uma vida sem um sentido que me levasse à evolução do meu ser.
Nunca deixei de acreditar em Deus, assim como nunca me desfiz de todos os seus ensinamentos, mas a igreja não disponibilizava (e ainda não disponibiliza) lugar para pessoas como eu. Aqui fora, no mundo, eu “tinha um lugar”, mas não acreditava nele, não me identificava com ele. Nele eu era apenas um corpo vivendo, com uma alma em constante crise existencial.
Lembro-me que por mais quebrado que meu coração estivesse, ainda existia dentro de mim uma esperança que teimava em se manter vivida, produzindo pequenos fragmentos de sonhos, no vislumbre de um futuro de paz, amor, realização e em família.
Não sei o que o futuro me tem guardado, mas peço que os dilemas existências sejam aprendizado para que as escolhas tomadas hoje, me possibilitem ser uma pessoa mais livre.
Texto escrito em 2010