O GÊNIO ATORMENTADO

Certa feita, Ruy Castro, um dos mais importantes biógrafos do Brasil, disse que para uma biografia valer a pena, o biografado precisaria estar, de preferência, morto; que tenha tido episódios de triunfos e tragédias e que tivesse deixado um legado. Lendo recentemente a biografia de Vincent Van Gogh (1853-90), encontrei todos esses elementos e mais um pouco... Nascido numa pequena comunidade em Zundert, na Holanda, o garoto de cabelos ruivos, olhos azuis e atitudes inquietas, demonstrava uma paixão flamejante pela natureza. Ele, desde os primeiros anos da infância até seu último suspiro, sempre tivera contato com a natureza e suas intempéries. Foi de ambientes descampados, charnecas, floridos, íngremes; sob sol, chuva, neve e ventanias; entre trabalhadores rurais, camponeses e animais, que Vincent captara imagens que viraria tema marcante de sua arte. Inclinado à arte, tentara se aventurar em inúmeras atividades que pudesse lhe trazer um meio de subsistência e status social. Mas todas essas investidas, fracassara! Filho de pastor, o reverendo Theodorus, Vincent foi tomado por uma sedenta vontade de pregar. Influenciado por leituras cristãs clássicas, como Thomas de Kêmpis e John Bunyan, o jovem Gogh tentara uma fracassada carreira como missionário em um vilarejo de mineiros na Inglaterra. Alguns meses depois, Vincent estava fugindo de sua real missão. Adoecera, estava maltrapilho e com sinais de esgotamento. Antes, tinha sido reprovado no exame para ingressar na escola de artes. Em seguida, fora empregado em uma galeria de artes em Paris. Devido seu temperamento explosivo, logo rompeu com o emprego. Todas as portas e escolhas que fizera para que atingisse a maturidade financeira, resultara em frustações e desalentos. Sua fuga fora os desenhos. Desenhava com o mesmo vigor que discursava em suas temáticas favoritas. Mas seus esboços e traços fora duramente desdenhados por um mundo de artistas renomados. Ninguém acreditava que desse jovem desprovido de atrativos físicos e tido como desatinado, expressasse a criação de um gênio. Vincent não apenas fracassara na vida profissional. Nas relações afetivas, suas tentativas fora ainda mais medonhas. Começando pela própria família: irmãs, tios, amigos e, principalmente, os país. Van Gogh era indomável! Discordava, irritava-se e respondia asperamente qualquer contrariação. Tal comportamento estreitaram suas relações pessoais. Saira e voltara de casa várias vezes. Todas marcadas por brigas inúteis. Nos amores, um acúmulo de desilusões. Tentara desposar a própria prima, Sra Kien, recém viúva, o que lhe causou um grande trauma, devido a pronta recusa. Viveu com uma prostituta de nome, Sien Hoornik e seu bebê. E logo o desgaste viera a tona, arruinando mais uma aposta nos amores improváveis. Apaixonara-se por uma dona de cabaré, Marie Ginoux. Todas as lisonjas e romantismos demonstrados por ele, fora vão. O aspecto físico e comportamental de Vincent, afastava as mulheres. Geralmente maltrapilho, rostos marcados pelas forças do tempo, dentes estragados e modos exacerbados, só lhe rendia prestígio entre prostitutas. Até que sua assiduidade lhe garantiu uma sífilis. Tal doença lhe degradara o intestino, a visão, os ossos e o ânimo. Van Gogh abandonara o fervor da religião para encontrar a salvação apenas na arte, ainda que incerto. Seus desenhos ganhara evolução. Mais nenhum interesse público. Apenas um humano tentava ajudar, incondicionalmente, Vincent. Seu irmão Theo. Mais novo que ele, mas com melhores modos e sorte na vida, trabalhava numa galeria de artes, além de sustentar o irmão até à morte. Theo tentara, a todo custo, atrair interessados pelos trabalhos do irmão. Mas numa época em que o impressionismo e outras tendências artísticas fervilhava, Vincent não passava de um espectro entre gigantes. Admirador incondicional de Delacroux, Cézzane e Rembrandt, Van Gogh inspirava-se em cada linha e cor. As horas infindáveis exposto ao trabalho intenso e reproduções de telas e mais telas, Van Gogh morou em vários endereços, vagando entre Holanda, Bélgica, França e Inglaterra. Em cada lugar uma aposta de sucesso. Uma esperança de triunfo com a própria arte. Mas em todos esses lugares, seus ateliês apenas colecionava desenhos e obras encalhadas. Todos esses desencontros, levara-o ao mergulho de assombradas ideias autodestrutivas. Recorria as prostitutas e o absinto. Fumava sem parar e mal alimentava. Mesmo quando tentava mudar sua horrível aparência, ele decepcionava. Algo nele causava desarmonia em tudo e todos. Com a morte do pai, Vincent afogara em depressões, remorsos e delírios. Com a escassez de recursos e o desânimo lhe abatendo, Van Gogh abre um atelier com o irmão amado, Theo, e procura novas parcerias para emplacar como artista. Daí nasce seu encontro com Paul Gauguin. Encontro esse conturbado. Vincent sempre apostava nas artes voltadas às paisagens. Já Gauguin, admirava as artes sacras. Brigas e mais brigas. Nenhuma surpresa. A relação entre os dois culminara na ruptura da amizade entre eles. Na Casa Amarela, certa noite, Gauguin fugira. Vincent fora trás, inconformado com o abandono. Resultado: corta a própria orelha e a envia através de uma prostituta a Gauguin. Era o início do declínio mental de Vincent. Depois do trágico episódio, Vincent vagou por hospitais e manicômios. Félix Rey e Paul Gauchet, ambos médicos que cuidara dele, percebera a gravidade do seu estado mental. Entre recaídas e ascensões, Vicent se recupera e ainda produz algumas obras. Mas ele não era mais o mesmo Vincent eufórico e intenso. Já no final da tão sofrida existência, ganha um jovem e influente admirador, Albert Aurier. Este produz um importante artigo elogiando as obras de Vincent. Começa a fama tardia do enfermo Van Gogh. Tido como louco. De renegado passa ser admirado por muitos artistas de Paris. Ao tomar conhecimento do artigo, já no leito de um hospital, recebe as notícias com frieza. A fama já não lhe empolgava mais. Após uma momentânea paz, vai Auvers, e em uma tarde de julho de 1890, sai para pintar e volta gravemente ferido, com um tiro na barriga. Depois de 30 horas, falece na madrugada do dia 29, aos 37 anos. Seu enterro foi modesto e reuniu pouquíssimos conhecidos, apesar do irmão Theo buscar honrá-lo com um cortejo memorável. Mas nem na morte ele triunfou. Suspeitando de suicídio, o pároco local vetara as litúrgias de praxe. A morte de Van Gogh é cercada de mistérios e inúmeras hipóteses. A quem diz que fora suicídio. Outros, defendem uma ação provocada por terceiros. A arma nunca apareceu, não houve testemunhas, inquéritos ou perícias. Morre um gênio atormentado. Dez meses depois, seu amado irmão, Theo, adoece gravemente devido a sífilis. Junto da saudade e remorso pela perda do irmão, Theo começa com violentas crises nervosas, ao ponto de chegar a demência total. Falecera em um manicômio em Auvers, em 1891. A irmã de Vicent, Will, terminara a vida louca, enclausurada em um manicômio. O irmão Cor, suicida na guerra contra os ingleses. A sua ex-companheira, a prostituta Sien Hoornik, suicida afogando-se em um rio. Vicente apostava na força e na verdade das cores. Da beleza produzida pela natureza. Só não esperava que não iria muito longe nesse mesmo mundo que junto da beleza, revelou também seu lado mais sombrio e pesado. Jaz um gênio atormentado.

Juliano Siqueira
Enviado por Juliano Siqueira em 01/03/2020
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