Rosa Luxemburgo: 100 anos depois de sua morte*
Em 15 de janeiro de 1919, a revolucionária marxista Rosa Luxemburgo era assassinada em Berlim, juntamente com seu companheiro de lutas, o deputado comunista Karl Libknecht. Crime, este, que acorreu após terem sido presos pela força policial do governo Social-democrata alemão, comandado por Friedrich Ebert após a renúncia do Imperador Guilherme II.
Rosa Luxemburgo nasceu em 5 de março de 1871 na Polônia, quando parte desta pertencia ao império russo. A família judia de Rosa transferiu-se para Varsóvia, onde ela teve acesso a uma educação primária, e contato com algum círculo de oposição ao império russo. Foi nessa ocasião que Rosa deve sua formação política inicial. Após concluir o ginásio, e com intuito de se afastar da repressão policial foi para a Suíça onde estudou economia na universidade local e, se tornou a grande pensadora marxista que foi.
Contudo, a jornada de Rosa Luxemburgo não ficou por aí. Ao concluir o doutorado, com a tese “O desenvolvimento Industrial da Polônia” e plenamente integrada ao circulo socialista dessa parte da Europa, Rosa transfere-se para a Alemanha em 1898. É no império alemão, após obter a nova cidadania que Luxemburgo se consolida como expoente do movimento socialista revolucionário e do pensamento marxista.
Ao se completar os cem anos de seu brutal assassinato e, em razão do momento político-econômico sombrio no qual o Brasil e o mundo estão atravessando, é preciso revisitar o pensamento de Rosa Luxemburgo. Mulher a frente de seu tempo, que enfrentou governos autoritários e reacionários de várias nações européias, Rosa Luxemburgo merece ser exaltada. Além disso, com o avanço das forças conservadoras, e até neofascistas, sua atuação tem muito a ensinar aos socialistas brasileiros.
Pensadora e militante internacionalista, Luxemburgo deixou uma obra significativa nas áreas da economia e da ciência política. Ela começou escrevendo sobre o desenvolvimento industrial da Polônia, sua pátria de origem; Sobre o acúmulo de capital no capitalismo em sua fase imperialista; Questões de organização da socialdemocracia russa ( no final do século XIX e início do século XX os revolucionário se denominavam social-democratas!); e, inúmeros textos sobre partido político e, sobre a história das revoluções realizadas até então.
O Socialismo
Um texto de Luxemburgo oportuno de se resgatar é aquele em que ela aborda o conceito de socialismo. Publicado em Berlin, no periódico ‘Die junge Garde’, em 4 de dezembro de 1918, foi divulgado no Brasil pela especialista no pensamento de Rosa, a professora Isabel Maria Loureiro no livro “Rosa Luxemburgo vida e obra”, publicado em 1999 pela editora Expressão Popular.
Luxemburgo inicia o artigo fazendo uma denúncia: “hoje todas as riquezas – as maiores e melhores terras, as minas e empresas, assim como as fábricas – pertencem a alguns poucos latifundiários e capitalistas privados. (...) O enriquecimento de um pequeno número de ociosos é o objetivo da economia atual” (LUXEMBURGO, p.57). E, afirma com contundência em seguida: “O primeiro dever de um verdadeiro governo operário consiste em proclamar, através de uma série de decisões soberanas, os meios de produção mais importantes como propriedade nacional e sob o controle da sociedade” (LUXEMBURGO, p.58).
As passagens mencionadas demonstram o rigor com o pensamento de Marx e a atualidade desse conteúdo. São essas medidas que vão definir o caráter socialista de um Estado, como é o exemplo de Cuba nesses 60 anos de revolução.
Em seguida, Luxemburgo aborda o caráter da economia socialista: “Primeiro – se a produção deve ter por objetivo assegurar a todos uma vida digna, fornecer a todos alimentação abundante, vestuário e outros meios culturais de existência, então a produtividade do trabalho precisa ser muito maior do que é hoje. Os campos precisam fornecer colheitas maiores, nas fábricas precisa ser utilizada a mais alta técnica.” (LUXEMBURGO, p.58).
E segue seu raciocínio econômico: “Segundo – para que na sociedade todos possam usufruir do bem-estar, todos precisam trabalhar. Uma vida ociosa como hoje levam, na maioria das vezes os ricos exploradores, acaba. A obrigação de trabalhar para todos os que são capazes é, na economia socialista, uma coisa evidente.” (LUXEMBURGO, p.59).
Rosa Luxemburgo, que foi uma das poucas vozes contrária à Primeira Guerra Mundial, na Alemanha dos anos 1914-1918, já combatia e denunciava o desperdício da indústria bélica. É importante relembrar, que a bancada socialdemocrata no parlamento alemão aprovou, com único voto contrário de Karl Liebknecht, a concessão de créditos para a indústria da guerra.
Luxemburgo afirma o seguinte, sobre esse assunto: “é preciso suprimir as indústrias de guerra e de munição no seu conjunto, pois a sociedade socialista não precisa de armas assassinas.” (LUXEMBURGO, p.59). A ironia do destino é que Rosa foi vítima dessas mesmas armas assassinas, manejadas pelos agentes de seu próprio país, como já aconteceu muitas vezes no Brasil, com quem se atreveu a defender um simples projeto de democracia.
A mulher e o homem para o Socialismo
Rosa é peremptória em afirmar que para a construção do Socialismo ‘é necessário o material humano correspondente’. Ela quer uma mulher e um homem novos. Diferente do homo capitalista, a formação do novo homo socialista vai ser conquistada com o embate ideológico também.
“Hoje, atrás do trabalhador, está o capitalista com seu chicote – em pessoa ou através de seu contramestre ou capataz. (...) Na economia socialista é suprimido o empresário com seu chicote. No socialismo os trabalhadores são homens livres e iguais, que trabalham para o seu próprio bem-estar e benefício.” (LUXEMBURGO, p.60)
Como se forma esse homem? Rosa responde: “é preciso autodisciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo um renascimento interior do proletário. Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo.” (LUXEMBURGO, p.61)
O Otimismo revolucionário
Toda transformação parece impossível de se realizar. Mas, a história é testemunha que o impossível pode virar realidade: o modo-de-produção escravista ruiu, o modo-de-produção feudal chegou ao fim; O trabalho escravo foi substituído pela servidão, que por sua vez deu lugar ao trabalho assalariado. As revoluções Inglesa, Gloriosa e Francesa colocaram a burguesia no poder. A revolução industrial significou um salto na produtividade material dos bens de consumo. No Breve Século XX a classe trabalhadora também deu inúmeros exemplos da sua força com as revoluções russa, chinesa, cubana e tantas outras. A revolução tecnológica é uma realidade impensável no início do Século XX.
Para a missão de revolucionar o material humano, Rosa Luxemburgo apontava o caminho cem anos atrás: “Não precisamos esperar quase um século até que tal espécie de homem se desenvolva. Precisamos de coragem e perseverança, clareza interna e disposição ao sacrifício para continuar a revolução até a vitória. Recrutando bons combatentes (...) A juventude trabalhadora, sobretudo, é chamada para essa grande tarefa. Como geração futura, ela formará, como toda a certeza, o verdadeiro fundamento da economia socialista.” (LUXEMBURGO, p.61)
É preciso renovar a mensagem otimista de Rosa Luxemburgo agora, cem anos depois de seu desaparecimento. O momento que o Brasil e o mundo atravessam, de grave crise do capitalismo e avanço conservador e neofascista, não permite vacilação dos socialistas. Focar nos movimentos de juventude que estão vulneráveis às forças conservadoras é estratégico.
Rosa Luxemburgo presente!
REFERÊNCIAS:
LUXEMBURGO, Rosa. IN: LOUREIRO, Isabel Maria. ROSA LUXEMBURGO. VIDA E OBRA. 5ª Edição. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2005.
Publicado no site "Outras Vozes. Coletivo. Livre. Plural" em 19 de janeiro de 2019