AMÉLIA, AUGUSTA RAINHA

Fora durante a Segunda Grande Guerra Mundial, perto de Versailles em França.

Os invasores franquearam a cancela que dava acesso à entrada do Chateau de Bellevue e bateram à porta com três pancadas violentas.

- Offne die Tur!Ouvrez la porte!

O Oficial alemão escoltado por meia dúzia de soldados não respeitou a bandeira portuguesa , símbolo de neutralidade no conflito, içada à porta do castelo na mira de encontrar algum inimigo escondido.

O secretário da Ilustre Residente veio abrir, mostrando um semblante impenetrável.

Os homens entraram à mesma sem pedir licença mas o oficial deteve-se no hall e fez sinal à comitiva.

Do alto do seu metro e oitenta,no cimo das escadas a Senhora Dona Amélia envergando um vestido negro e uma tiara real , enfrentou o grupo hostil com altivez e dignidade e com um olhar fixo e corajoso.

- Senhores?Estão em território português e como tal não tem direito de invadir a minha casa.

Os alemães estancaram, surpresos, o oficial fez uma espécie de vénia atabalhoada que os companheiros imitaram, bateu o tacão e deu ordem de retirada.

A Rainha suspirou, descontraiu mandou chamar todo o seu staff e sorriu com alívio e uma pontada de tristeza:

- Escapámos…Ainda não foi desta!

A velha raposa, o Presidente do Conselho de Ministros do Governo português, o que quando queria sabia fazer-se encantador chefe da ditadura, Dr Oliveira Salazar tinha-a convidado para vir morar para Portugal durante a Guerra, convite que ela amável mas firmemente recusou.

- A França acolheu-me no meus momentos mais difíceis e eu não vou abandoná-la nos seus.

Viria em visita,só mais tarde,quando a Guerra terminara e novamente convidada por Salazar que mantinha um certo embevecimento pela sua figura imponente e majestosa, o seu carácter superior e a importante obra que deixara no País e que era louvada por legiões de admiradores.

E que, em contrapartida, lhe saberia pedir a doação de inúmeras riquezas e do património pertencente por direito à dinastia real de Bragança com o qual iria criar uma Fundação.

Até ao fim dos seus dias, Amélia, princesa de França e rainha de Portugal, foi um exemplo respeitado de abnegação e sacrifício pela monarquia de toda a Europa e obrigada a tomar decisões e decisões como a última e legítima protagonista de uma época que se apagava num país pobre e mal agradecido.

Mas nos momentos mais solitários passados no seu endroit de eleição o Palácio da Pena em Sintra ou mais tarde em França e já no exílio em que se permitia fazer a retrospectiva dos acontecimentos, permanecia incrédula e sem entender o porquê de tanto ódio e tanto sangue no dia fatídico do regicídio em 1908 em que assassinos cobardes e impiedosos atentaram contra a família real, matando o rei e o princípe real e alvejando o infante num braço.E ela de pé, desprotegida numa aflição maior, brandindo um simples ramo de flores e ordenando ao cocheiro que os tirasse dali.

Foi tenebroso o embarque, em fuga , da família real rumo ao exílio,dois anos depois com a proclamação da República, partindo apressadamente da praia da Ericeira.

O rei, seu filho, o jovem e inexperiente, D.Manuel II cabisbaixo e condoído, a rainha Dª Maria Pia, revoltada e desorientada e apenas ela, a Rainha, com ânimo para enfrentar a adversidade e a injustiça de que eram vítimas.

- Majestade, minha sogra, não resista.Vamos.

Muita gente do povo assistiu do alto da falésia à partida dos reis de Portugal com um mau pressentimento.

Piores dias viriam para a Nação.

Já exilada em Inglaterra, ela escreveria ao Confessor dos seus filhos.

“Resta-me a consolação de ter a consciência tranquila de que cumpri integralmente o meu dever”.

E de facto ela tinha cumprido mais do que o seu dever pois como rainha, desempenhara um papel único.

Com a sua elegância e caráter culto, influenciou a corte portuguesa. Interessada pela erradicação dos males da época, como a pobreza e a tuberculose, fundou dispensários, sanatórios, cozinhas económicas e creches, demonstrando assim o seu interesse pelo bem-estar da população desfavorecida.

Entre as suas obras destacam-se as fundações do Instituto de Socorros a Náufragos, o Museu dos Coches, o Instituto Pasteur em Portugal (Instituto Câmara Pestana) e a Assistência Nacional aos Tuberculosos.Envergou a bata das enfermeiras, dedicou-se ao trabalho de cuidar dos doentes para ensinar o pessoal, não hesitou em atirar-se ao mar na praia de Cascais para resgatar um pescador idoso que naufragava ao largo.

Segundo o picador-mor da Casa Real José Maria Pires da Silva, as flores amarelas chamadas "azedas", de que gostava tanto e que hoje ainda proliferam na região de Lisboa, vieram originalmente por sua iniciativa da África do Sul para o Jardim da Ajuda.

Como mãe, soube dar uma excelente educação aos seus dois filhos D.Luis Filipe e D.Manuel, alargando-lhes os horizontes culturais com uma viagem pelo Mediterrâneo, a bordo do iate real Amélia, mostrando-lhes as antigas civilizações romana, grega e egípcia e preparando-os para servirem o seu Povo.

Ela diria convictamente que gostaria de, depois de morta, ser levada para Portugal de quem foi a última, excelsa e augusta Rainha, acrescentando as célebres palavras:

"Quero bem a todos os portugueses, mesmo àqueles que me fizeram mal".

Num funeral que teve honras de Estado estiveram presentes todos os membros do Governo e em que acorreu uma multidão nunca vista, desfilaram também médicos, enfermeiros e estudantes das instituições criadas por ela e que acompanharam o cortejo fúnebro até à Igreja de São Vicente de Fora onde foi sepultada no Panteão dos Braganças, junto do marido e dos filhos com uma lápide onde ainda hoje se pode ler

“Rainha no trono, na caridade e na dôr” e junto à qual inúmeros visitantes se comovem e ajoelham numa profunda vénia.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 24/07/2019
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