Vivendo com sabedoria: Fragmentos da vida de Sebastião Gomes de Araújo
Sebastião Gomes de Araújo, natural de Granito, Pernambuco, filho de Engrácia Ramalho e José de Araújo, nasceu em 25 de novembro de 1920. Aos nove anos de idade, em 1929 quando ficou órfão de mãe, foi morar em São José de Belmonte, passando a conviver com seu pai e seus irmãos. Em 1932 foi para Serra Talhada. Em 1933 foi para Belmonte onde permaneceu por três anos. No ano de 1936 passou por Recife e Bodocó, retornando a São José de Belmonte em 1937 onde ficou até 1941 ano em que voltou para Recife, prosseguindo seu caminho até Fernando de Noronha, onde foi trabalhar com os americanos.
“Minha vida foi como cortiça dentro d’ água: ia para onde o vento levava...”(Sebastião Gomes de Araújo)
Sebastião, um homem forte e valente, que nunca se deixou abater pelas vicissitudes da vida; simples, nunca usou da ostentação; idealista; direto e franco com as pessoas; correto, nunca envergonhou seus descendentes, parentes, amigos e conterrâneos, por isso Sebastião Gomes de Araújo é respeitado e amado por seus filhos, parentes e amigos.
Foi alfabetizado por sua mãe, e frequentou apenas dois anos uma escola formal.
Ao ficar órfão de mãe conviveu dos 9 aos doze anos com seus irmãos da segunda família. Teve uma convivência harmoniosa, e relata que D. Mocinha, sua madrasta, era uma criatura boníssima. Lembra com saudade da Mãe Caetana, a qual adotou também por avó, embora fosse realmente avó dos seus irmãos por parte de pai.
Em 1932 veio para Serra Talhada com os comboieiros. O trajeto de 10 léguas foi realizado a pé. Sebastião conta um fato curioso e engraçado sobre esta aventura. Colocou os poucos pertences (algumas roupas) nas pernas de uma calça e amarrou “a boca das calças”, utilizando esta como uma sacola que levava nas costas. Isto mostra o quanto criativo foi este homem, sempre imaginando e criando formas de superar os desafios que a vida lhes apresentava.
De 1936 a 1938 transitava de Bodocó a Leopoldina, em estradas carroçáveis junto com comboieiros. Vivia como um andarilho entre Bodocó, Serra Talhada e Bom Nome. Trabalhou carregando latas d’água sobre os ombros, ou em jumentos, carregando lenha, cavando cacimbão entre outras atividades deste gênero.
Com dezoito anos, em 1938, foi pela primeira vez para Recife, onde trabalhou nas Docas, descarregando navios que transportavam café.
Em 1940 viajou para Fernando de Noronha onde ganhou muito dinheiro trabalhando como estivador (tinha carteira assinada) e nas horas vagas trabalhava como garçom e ganhava muitas gorjetas. Foi nessa época que teve o meu primeiro contato com os americanos. Após essa estada em Fernando de Noronha foi para Bom Nome, depois para Belmonte onde ficou poucos meses, pois não se acostumava em ganhar pouco dinheiro.
Foi convidado a trabalhar como motorista de um dentista para levar seus filhos para a escola, mas recusou tal convite pois não queria viver “preso” a compromissos, ou horários.
No ano de 1944 fez uma inusitada viagem para a Bahia, quando se aventurou e viajou apenas com a passagem de ida, sem ter nenhuma perspectiva de trabalho. Vivia em delegacias como ajudante dos soldados, assim ia sobrevivendo sem trabalhar. Também ajudava motoristas, na labuta pertinente ao ofício que depois exerceu até se aposentar. Foi em Salvador que reencontrou seu Osvaldo, o qual havia deixado seu emprego de gerente da Loja Paulista para se tornar motorista de caminhão.
Mas foi em Fortaleza (1946) o seu despertar pelo o gosto para a leitura, quando foi trabalhar com um professor do Liceu. Este professor tinha uma vasta biblioteca, mas o que lhe interessou foram os livros de Latim.
Sua vida toma um novo rumo 1946-1947. Neste período veio muita gente do Ceará para o Rio Grande do Norte. Entre eles veio também meu pai.
A partir de então sua vida toma um norte. Passa a trabalhar exclusivamente como motorista, com o Senhor Ângelo Varela de Albuquerque, primo do então governador deste Estado. Começou trabalhando como motorista de um caminhão do Estado, e foi nesse período que percorreu grande parte do sertão norte-rio-grandense, numa viagem que durou trinta dias.
Nesta época já estava enamorado da minha mãe, mas uma moça que se apaixonara por ele, faz circular o boato de que ele era casado. Diante desta circunstância a família de minha mãe proibiu o namoro e a levam para Goianinha para casa de uns parentes. Meu pai recorda desse momento emocionado: “Fui de caminhão em toda carreira só para vê-la descer do trem”(S. G. A.).
Durante as conversas percebo que meu pai se angustia por não lembrar detalhes de alguns episódios marcantes em sua vida, especialmente de sua infância em Cedro/Granito/Bodocó. Lembra o fato, mas não lembra os detalhes.
É interessante como meu pai insiste em dizer do seu “espírito livre”, que nunca quis se prender a nenhuma submissão, daí seu espírito aventureiro.
SEU GRANDE AMOR: MINHA MÃE
Escutei de meu pai tal enunciado: “eu queria que Deus me desse inspiração para contar em rima e verso a história de nossa vida”. É comovente transcrever o que meu pai falou sobre quando conheceu minha mãe: “Conheci Zélia em São José de Mipibu, varrendo a calçada. Foi um amor à primeira vista”.
Meu pai, um jovem aventureiro, já havia conhecido muitas jovens muito bonitas, no entanto, não resistiu ao encanto daquela jovem quase uma criança, que o conquistou com seu jeito simples e recatado.
“Foi na década de 1940... Eu fui morar na mesma rua que ela morava, sendo que da casa dela para a minha tinha uns quarenta metros de distância. Todas as manhãs ela ia varrer a calçada de sua casa.....
Realmente eles se conheceram assim. Minha mãe era uma adolescente (17 anos), e segundo relato do meu pai e dos avós, muito inocente e desconfiada.
O namoro durou três anos, permeado de muita desconfiança e ciúmes por parte de minha mãe e de sua família. Isto devido ao tipo de atividade que meu pai exercia, era motorista e estava sempre viajando. Além disso, era muito elegante, comunicativo, sabia se expressar muito bem, e era muito cobiçado por seus belos olhos verdes/azuis. Mas enfim acontece o casamento no ano de 1950, precisamente no dia 31 de dezembro.
Quando meu pai viajava, minha mãe apesar de morar próximo aos meus avós sofria muito com a saudade que sentia do meu pai, que para compensar sua ausência presenteou minha mãe com um carneiro que ganhou de presente, ao qual minha mãe dá o nome de Belém. Nesta época minha mãe estava grávida de sua primogênita, Gracinha. Quando nasce minha irmã, uma criança linda, muito esperada e admirada por todos, o carneiro tornou-se um problema. Foi motivo de aflição, pois Belém até dormia no quarto, e agora não se acostumava em dormir longe de sua dona. Nos primeiros dias foi um grande alvoroço: berrava o carneiro querendo ir para junto de sua dona, e chorava minha mãe com a separação daquele que lhe fizera companhia durante os dias e noites de solidão.
De 1951 até 1958 meu pai mora em São José de Mipibu, e trabalha viajando, na construção de açudes, pelo DNOCS. Entre os açudes que ajudou a construir ele destaca o Açude Trairi, em Santa Cruz; e o Zingarelha em Jardim do Seridó, e o Bonito em São Miguel.
SUAS REFLEXÕES
Meu pai realmente é um ser humano único e singular. Em suas divagações, expressa tamanha sensibilidade que contagia até os mais insensíveis. Seu desejo de comunicar suas proezas é sem igual. Nas suas longas noites insones, aproveita o para refletir. Reflete com maestria sobre sua vida e sobre seus problemas, e encontra assim um lenitivo para suas aflições, ao dizer que “quando se tem um problema que só se pode resolver com o tempo, então é só dar tempo ao tempo”(21/07/2010)
Aflições que percebo nestas suas reflexões que escreve em forma de um diário: “Me veio na lembrança que um dia ela terá que se alimentar através de uma sonda...e isso já me dá vontade de chorar” (Sebastião Gomes de Araújo) (15/07/2010).
“Sempre quando fico em poder dormir, um motivo para cuidar de Zélia, e consequentemente chorar” (Sebastião Gomes de Araújo).
“Nossa vida foi sessenta anos de felicidades e dificuldades mas sempre com paciência e compreensão” (Sebastião Gomes de Araújo).
“Quero ficar perto de Zélia todos os momentos que me restam de vida, porque agora é o momento que ela mais precisa da minha presença” (Sebastião Gomes de Araújo).
“Até quando eu vou ficar aqui para cuidar de Zélia? Até quando Deus quizer!” (Sebastião Gomes de Araújo).20/07/2010.
“Só em pensar que um dia terei que morrer e deixar Zélia, já é um motivo para ficar triste com muito desgosto” (21/07/2010)
“Me acordei com um desengano muito grande, então levantei olhar para Zélia ai criei um pouco de ânimo.Tomei um pouco de café com leite e vi que já era 04:30 da manhã” (Sebastião Gomes de Araújo).23/07/2010
SEU GRANDE DESEJO
Ao ouvir as confidências de meu pai, lamento não ter dedicado mais tempo a escutá-lo. Este homem, hoje com noventa anos é possuidor de uma sabedoria nata, de conhecimentos acumulados durante toda sua vida. Expressa a grandeza e valentia dos grandes sábios, que com paciência conseguem vencer as adversidades terrenas. Que com simplicidade suplantam a ostentação dos soberbos. Que com sensibilidade conseguem perscrutar as profundezas do seu próprio ser.
Tornei-me sua confidente como ele mesmo me declarou um certo dia por telefone: você é minha confidente. Assim, em suas confidências vai deixando transparecer a tristeza em ver aquela sua amada, um exemplo de mulher, dinâmica e dedicada, sua esposa e mãe dos seus doze filhos, hoje, uma frágil criatura totalmente dependente...E ele vai relatando suas inquietações, e seu desgosto, conforme registra em um diário:
Todas as noites acordo de duas em duas horas. Hoje, por exemplo, acordei às duas horas da madrugada e não dormi mais pensando na situação de Zélia...aí fiquei acordado olhando para ela e então me deu um desgosto muito grande de eu não puder fazer nada...(SEBASTIÃO GOMES DE ARAÚJO, 08/08/2010). E nesses relatos deixa transparecer o zelo que tem por sua amada.
Mas continuando com as confidencias, é contagiante escutar meu pai falar sobre São José de Belmonte. Nas suas palavras “quando se conhece Belmonte jamais se esquecerá seu povo acolhedor, sua história, seus monumentos e suas lindas riquezas”.
Com o objetivo de realizar um grande desejo de meu pai, em agosto de 1999, eu, minha irmã Gisélia e sua filha Gisele Carla na época com cinco anos, fomos a São Jose de Belmonte. Planejei a viagem durante todo o ano, no entanto, as pessoas não levaram a sério e quando chegou o grande dia, lá estávamos nós no ônibus que nos levaria a Recife para de lá seguirmos viagem para Belmonte.
Papai incumbiu-me de procurar alguns amigos seus e fazer contato para que se comunicassem.
Costumo dizer que houve uma transformação em minha vida depois daquela viagem, um sonho por muito tempo acalentado. No momento que cheguei a Belmonte, senti uma emoção tão forte que não consegui conter o pranto. Senti algo indescritível e senti que precisava resgatar um pouco da história de meu pai. Eu iria emprestar os meus olhos e a minha emoção para levar até meu pai o que ele tanto ansiava: Voltar a Belmonte, rever os parentes e amigos, rever os lugares em que passou parte de sua infância e juventude. Naquele momento me dei conta da responsabilidade que assumira. Comprei um pequeno diário e solicitei aos parentes e amigos que escrevessem uma mensagem para meu pai.