UM TROMBONE SE CALOU

O músico Agostinho Florêncio da Silva nasceu no município de Santana do Mato, e logo cedo demonstrou seu interesse em estudar música, mas seu pai, Vicente Tintim, não suportava ouvir falar no assunto. Agostinho, contudo, contava com a cumplicidade de sua madrasta, que o arrumava e, de forma sorrateira, o mandava para a escola, a fim de conquistar o seu sonho se tornar músico.

Aluno aplicado, aos 16 anos ele já tocava trombone e bombardino e era um dos membros da Banda de Música da cidade, para desespero do seu pai, que não aceitava o fato de ter um filho músico. Para o velho Vicente, ser músico era sinônimo de morrer cedo e de contrair tuberculose – doença incurável naquela época.

Como não encontrava o ambiente adequado para desenvolver seu potencial artístico no seio familiar, ele passou a acalentar a idéia de fugir de casa e partir para Recife. E foi o que fez. Saiu de casa, viajou por alguns estados, mas acabou fixando residência em João Câmara, cidade que o recebeu como a um filho e a qual ele adotou como sua terra natal.

Em João Câmara o prefeito Francisco de Assis Bittencourt o convidou para trabalhar na Prefeitura Municipal, como fiscal de renda, atividade que ele exercia durante o dia. À noite atuava fazendo o que mais gostava: animar os bailes realizados tanto na cidade, como nas demais localidades da redondeza, tocando o seu inseparável trombone, na companhia dos amigos Manoel Avoête, Bi, Deca, Geraldo Alves e tantos outros.

Aos 24 anos de idade decidiu se casar e a escolhida foi a professora Maria Ester Lira - Tesinha - filha de Sebastião Dodô e de dona Nenê. Mesmo casado e já com uma filhinha, Agostinho permanecia irrequieto, dominado por um profundo desejo de viajar e conhecer novas terras, fazer novas amizades, conquistar novos espaços. Motivado por esse espírito aventureiro, ele decidiu partir para Goiás levando a esposa e a filha e, claro, seu trombone.

Fixou residência na cidade de Itumbiara, interior goiano, onde participava da orquestra local. Mas sua esposa Tesinha, não se adaptou à nova vida. Os costumes eram muito diferentes daqueles aos quais ela estava habituada e, além disso, sentia saudades da sua terra, seus amigos e sua família. Três meses depois decidiu voltar com a filha.

Agostinho permaneceu em Itumbiara por mais algum tempo até que seu espírito de aventura o levou a arrumar novamente as malas e partir para uma excursão pelo País, que durou cerca de três anos. Durante esse período ele participou de incontáveis orquestras e tocou acompanhando diversos artistas de renome nacional daquela época, tais como Cauby Peixoto, Ângela Maria e Nelson Gonçalves, entre outros. Um belo dia decidiu voltar para a vidinha pacata de João Câmara e foi o que fez: retomou seu antigo emprego da prefeitura, onde permaneceu até se aposentar.

A música, que sempre fez parte de sua vida, tornou-se ainda mais importante depois que ele se aposentou, ocasião em que passou a se dedicar inteiramente às suas composições, que somam quase 600. Os ritmos são os mais variados: xotes, baiões, valsas, boleros, choros e forrós, entre outros.

A inspiração para escrever suas músicas vinha de qualquer situação; desde um gol do seu time favorito, Flamengo, o reencontro com um velho amigo, ou mesmo o canto de um passarinho no jardim de sua casa. Mas foi sua neta Thalita, a maior de todas as suas inspirações. Para ela, Agostinho escreveu incontáveis melodias, desde a sua gestação até sua primeira eucaristia.

O acervo musical que ele criou, foi tema de inúmeras reportagens na imprensa norte-rio-grandense, relíquias que sua esposa guarda com muito carinho. Algumas das suas composições figuram num CD gravado pela Orquestra Sanfônica do Rio Grande do Norte, obra produzida graças ao esforço do presidente da Ordem dos Músicos do Brasil/RN, maestro José Roberto da Silva, por quem Agostinho nutria um carinho muito especial. Afinal, trabalhou ao lado de José Roberto por vários anos, atuando como Conselheiro e como Tesoureiro da Ordem dos Músicos.

O músico Agostinho Florêncio da Silva era um homem simples e de poucas palavras, mas bastante respeitado pelo seu profundo conhecimento musical. Mudou-se para Natal em 1986, ocasião em que a cidade de João Câmara foi sacudida por um grande tremor de terra, onde era freqüentemente procurado por participantes de grupos musicais, que lhe pediam para passar algumas músicas para partituras, trabalho que ele realizava com muito prazer.

Adorava contar piadas e decifrar charadas, habilidades que transferiu para suas filhas. A televisão era um dos seus passatempos preferidos e através dela se mantinha muito bem informado, porque não perdia nenhum dos noticiários apresentados, assim como assistia a quase todos os jogos de futebol que eram transmitidos. Assistia ao programa do Chaves, “para se manter bem humorado” e Malhação “para ter o conversar com sua neta”.

Era fervoroso em sua fé e durante vários anos viajou para o Juazeiro, pagando uma promessa que havia feito ao Padre Cícero Romão Batista. Não perdia uma missa sequer, aos domingos, e leu a Bíblia por várias vezes.

Agostinho partiu no dia 28 de fevereiro de 2004, atendendo o chamado ao qual nenhum de nós pode se furtar. “Faltava um trombone na Orquestra do Céu e Deus resolveu chama-lo”. Seu sepultamento se deu em João Câmara, como era seu desejo e foi embalado pela banda de música local. Seu trombone, sua maior riqueza, foi deixado para Pedro Rafael, herdeiro do seu maior amigo: Manoel Avoête.