Sou DDA e DDAí? 11 - Ler ou não ser, eis a questão!

Quando percebi que em virtude do DDA/TDAH falava “ellado”. Trocava palavras sem ao menos perceber. “Dava branco” quando me expressava. Não fazia direito concordância nominal e nem concordância verbal. Era confuso nas minhas explicações e elucubrações.Ví o prejuízo que tive por não ter tido formação adequada na minha educação escolar devido em parte do meu DDA/TDAH

Me senti um perfeito burro.

Mas com essa onda de proteção dos animais, mais o perigo de ser processado por danos morais de chamar o Burro de “burro” e estigmatizar em mim essa crença. Tomei logo conta...( “logo” assim, dentro de um padrão de um “prograstinaDDor” em recuperação)... de estabelecer providências básicas.

Fazer reparação comigo mesmo!!!

Como vinha aprendendo no Grupo de Apoio de 12 passos. Fazemos o tal do inventário, um registro honesto da vida. Durante semanas fui anotando tudo que me vinha à mente. O objetivo do inventário da minha história era identificar os padrões de comportamento, minhas compulsões, obsessões, feridas emocionais, dores da alma, reparações a serem feitas… diga-se de passagem que, reparações só quando não for "entornar o caldo" mais ainda.

Usando como referência o livro sobre DDA-TDAH onde descreve os polos positivos e negativos, comecei a achar que era uma “pilha”.

Pude perceber minha grave deficiência na percepção da educação escolar.

Leitura por exemplo.

Livro... livro mesmo!! Que me travou foi na 8ª série “A”.

Matéria de Português, professor Silas pede para ler IRACEMA de José de Alencar. Juro gente! Mas juro mesmo! Até que tentei.

Mas não passou de IRA!

Nem cheguei na CEMA.

Fui captando os comentários do professor nas aulas, do pessoal que estavam lendo. Não me perguntem como! Fiz os trabalhos, as provas e estou aqui Vivo da Silva.

Lia gibis é lógico!

No final daquele ano sortearam um conjunto de 16 livros de diversas categorias e temas: novelas, romances, contos, poesias, crônicas, infanto-juvenil...e mais outros temas. Fui sorteado!!!!

Imagina eu, um “DDAdolescente”, levando uma baita biblioteca de 16 volumes para casa. Dizendo para si mesmo.

_ Vou ler todos esses livros!

Eu que não tinha nem conseguido ler a tal da IRACEMA. O que aconteceu foi que veio uns 2 ou 3 livros da coleção “Para Gostar de Ler”, tinham sido lançados naquela época. Com crônicas bem humoradas de Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e outros. Pequenos textos de 1 ou 2 páginas. Li aos poucos os textos, um a um. Depois vim a entender que alguns DDAs não conseguem tomar no copo. Tomam de colherinha. O que gostam de fazer, fazem direito e com entusiasmo.

Despertou em mim o gosto da leitura. Se eu li os outros livros? Não! Não consegui. E olha que tentei, tentei mesmo. Só li esses 2 ou 3 da coleção “Para Gostar de Ler”.

Com o tempo fui pegando o hábito de ler jornais (só quadrinhos), revistas (as publicidades), gibis (Luluzinha, Turma da Mônica...Fantasma ou TEX eu não consegui por causa de muitos personagens) fotonovela das minhas tias (gostava por causa dos beijos). Lia mas lia pouco e logo parava. Veio o colégio com curso técnico de Desenho Mecânico que eu gostava, então ler o que gostava não era problema.

Também no namoro e noivado penso ter lido uns 10 pequenos livros em 4 anos e ½. Títulos sobre noivado, casamento e a vida familiar. Época também de faculdade que tinha leitura que não acabava mais...mas como era uma área que gostava, lia com prazer. Infelizmente ainda não tinha consciência de ser um DDA/TDAH e nem ter estrutura para fazer leitura proveitosa.

Lia conforme as fases da vida, na gravidez da esposa li o livro: "A Vida do Bebê" do autor Doutor Rinaldo de Lamare, bom que não precisava ler duma vez. O Livro era dividido, se me recordo bem (isso é sempre um risco), em fases da criança. Primeiros 7 dias, primeiras 4 semanas e depois cada um dos 12 meses. E por fim cada ano da faixa etária da criança. Foi fácil. Também pudera, iria ser pai de duas “DDAzinhas”, e que aventura seria!!!

Na minha vida com o advento da medicação e estruturação pela Dra Cleice, e suas dicas inesquecíveis. Para me recuperar da educação deficitária e falta de leitura. E o que não falta num DDA/TDAH são idéias e mais idéias. Fiz o seguinte….

Aproveitei que levava minhas filhas na escola e meu trabalho tinha horário flexível que estabeleci uma rotina quase que diária de leitura. Enquanto elas ficavam na escola eu não voltava para casa, mesmo porque era bem longe do colégio. Até a saída delas do colégio me disciplinei a ficar lendo, estudando, meditando, escrevendo, fazendo poesia, anotando idéias e planejando como colocá-las em ação. Descobri várias bibliotecas na região. Bibliotecas como da Puc, do Parque da Água Branca, do Memorial da América Latina, Metodista, Senai Consolação, Faculdade Teológica de São Paulo.

Já tinha ouvido falar de um livro famoso: “Os Irmãos Karamazov” do autor Fiódor Dostoiévski. Pensei comigo:_ Vou começar com esse!

Juro gente! tentei! mas tentei mesmo! Os irmãos estão me esperando até hoje! Não passei da 10ª página. Minha motivação estava errada. Tive que confessar e partilhar naquela semana no grupo de apoio de 12 passos da minha frustração.

Mesmo nas bibliotecas geralmente bem silenciosas meus ouvidos, com um sonar captava e selecionava aquele específico “som”, “ruído” ou “tortura”. Me interrompia a cada momento. Quando não era um era o outro. Ai que tormento!!!

_ Vem!...Vem!..agora vira! (Guardador de carros ajudando motoristas estacionarem carros)

_ Créééé!!! Créééé!!!! Créééé (Maritacas que pousavam no topo das árvores)

_ Pamonha! Pamonha! Pamonha! ( Nesse som eu descia para comprar e comer uma)

_ Wim! Wuim! Wim! (Ruído da rodinha do carrinho do bibliotecário guardando os livros)

_ Tac...tec..tac...tec...tac…(Ruído do teclado da recepcionista da biblioteca)

_ Plac...slaply...vlaple.. (Mulher da limpeza limpando a bibliteca...todo santo dia!)

_ Au!..au!...au!.. (Os Pets se encontrando nas calçadas)

_ Aroma de café (Eu descia na lanchonete)

_ Tchaxxaaaa!!!! Grogrogrooo!! (Barulho da descarga toda vez que ia alguém no WC)

_ Ynhééék! Ynhééék (Pino da dobradiça da porta sem lubrificação)

Relatei para Dra Cleice que, mesmo "ritalizado", não era só o desafio da simples “distração” parecia que meu cérebro filtrava sons e ruídos que aos poucos me deixavam com o humor estragado. E a leitura ia para as cucuias.

Fui resolvendo com Protetor Auricular de plástico, depois de espuminha, de silicone...aquele que se usa para nadar em piscinas. Hoje uso fone de ouvido com sons de chuva, que abafam todo o som ambiente.

E durante aproximadamente 7 anos em que minhas filhas estudaram naquele colégio eu mantive no que foi possível essa rotina de leitura, estudo, meditação e descer para comer pamonha. Pois na consulta e na leitura do livro sobre DDA/TDAH percebi que tinha um desejo muito grande de ler. Comprava livros, me auto-sabotando, me iludindo pensando que estava comprando “leitura”, sem ler. Parei certa vez e contei mais de 60 livros que eu tinha começado e não tinha terminado. E aquilo tinha que ter um fim.

Quando no teste de diagnóstico veio a pergunta se eu começava muitas coisas e não terminava porque perdia o interesse. Me dei conta que em casa eu tinha um armário cheio de papéis. Mas quando digo cheio de papéis...eram cheios de papéis mesmo! Todos bagunçados, sem ordem. Em duas partes do guarda roupa de cima. Fui saindo da negação e aceitando a minha responsabilidade pela minha recuperação. Juntei todo aqueles papéis que eu tinha acumulado por anos, deve ter dado uma pilha que passou do meu ombro. Tenho 1,75 de altura. Joguei tudo fora.

De fato fui descobrir mais tarde que necessitava de acompanhamento de terapia. Não só por causa dos ruídos e a papelada toda, mas porque a Dra Cleise explicou que quando um adulto DDA/TDAH "descobre-se", muito provavelmente tem muita coisa que “aconteceu e nem percebeu”, que talvez algumas "minhocas" na cabeça poderiam virar iscas para se transformar em uma grande pesca. E o que fazer com o que fosse pescado no passado psicológico dependia exclusivamente de mim. Não mais de ser ou não ser DDA/TDAH.

Aprendi no grupo de apoio de 12 passos que “Deus não desperdiça nenhuma dor”. E que o grupo não era terapia mas é “terapêutico”. Fui conversar com uma psiquiatra amiga da família. Com toda franqueza ela me disse que também tinha problemas com sons, barulhos e ruídos. Fui a fundo marcando uma consulta e lá fomos descobrindo que junto com o DDA/TDAH estávamos pescando “espectro de bipolaridade”. De fato fui lembrando de episódios de montanha russa do meu humor. Me encarar cara a cara não foi nada fácil.

Lembrei de características de “deprê” e “euforia” em todo período da minha vida de forma cíclica. Períodos que o tédio me dominava. Fazia só o básico e o que mais queria era dormir. Na outra hora me irritava, indo para “ira”, descontrole emocional “irracional”.

Faz mais de 8 anos que faço acompanhamento. De 2 em 2 meses vou eu lá na psiquiatra pegar minha receita de remédios “faixa preta”. E na minha imaginação na minha cintura uso uma “faixa preta”. Porque o que eu tive que lutar para chegar até aqui. Só Deus e minha família sabe.

Pela ironia do destino, comecei recebendo doações de livros e vender pela internet. Para me sustentar, pois decidi com minha esposa a 4 anos e pouco que iríamos a fundo gradativamente e integralmente servir como voluntários em Grupos de Apoio para recuperação de pessoas. Nesses quase 5 anos, pela graça de Deus, já recebi doações e vendi mais de 8 mil livros. Hoje tenho um Sebo com um acervo de mais de 3500 livros numa loja virtual. Podendo assim me dedicar cada vez mais a apoiar a recuperação de pessoas.

Leio todo dia! Só por hoje!

Ricardo Olah
Enviado por Ricardo Olah em 23/06/2018
Reeditado em 04/07/2018
Código do texto: T6371944
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