Belchior - Biografia Oficial
Belchior - Oficial
Vida e obra da Fama ao Exílio - Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. (Estêvão Zizzi e Ângela Bechior)
Abraços e Canções
Há 71 primaveras...lá em Sobral/Ceará – Ano de 1946 – Dia 26 do mês de outubro – sábado – Início da Primavera - 18 horas – Noite de Lua cheia; Dona Mariinha Paiva, parteira de centenas de sobralenses, anotava em sua caderneta: - “Dolores do Senhor Otávio descansou um filho do sexo masculino de nome Antonio Carlos Belchior”.
O cantor? Sim? Não! Por hora, Toin Carlos, como foi chamado carinhosamente pela mãe Dolores.
Mas qual a aparência do “bebê Johnson?” Esqueçam do charuto, do cachimbo e do charmoso bigodão!
Deixando de lado a tradicional bajulação de “coisinha” linda! Parece com a mamãe! É o papai em pessoa! Puxou a vovó, etc. O garoto, como todo recém-nascido, tinha um cabeção, pescoço curto, pernas curtas, moleiras na cabeça e um pingulim de dois a três centímetros.
O nome Antonio Carlos foi dado em homenagem ao mais importante compositor de ópera brasileiro. Antonio Carlos Gomes, autor de o Guarani e, Belchior, sobrenome que desembarcou no Porto de Camocim/Ceará no século XIX, vindo das terras de Camões e Pessoa.
No dia seguinte, o pai Otávio, registrava o terceiro filho, que teve em matrimônio com dona Dolores. Em primeiro de dezembro de 1946, trinta e cinco dias após o nascimento, um domingo, Toin Carlos, deu início a peregrinação dos sacramentos da igreja.
Enrolado como um charuto, seguindo a tradição Católica Apostólica Romana da maioria das famílias Sobralenses, vai à pia batismal para lavar a alma, tornando-se filho de Deus e abrindo o caminho para a salvação eterna.
Em poucos meses de vida, soltou suas primeiras palavras:- “maman, maman!"
Aos dois anos de idade, se viu pela primeira vez num “espelho”. Espantado, sussurrou com aquela fala telegráfica, característica das primeiras frases de crianças. “Mamã, nenê, mamã, nenê"!!!
Graças a Deus foi salvo! O nenê era o reflexo das águas de um poço!
Em 1952, aos seis anos de idade, voltava novamente a Catedral da Sé, para fazer a primeira Comunhão. Tipo franzino, meio imberbe, meio ingênuo, cabelo cortado, vestido de branco, camisa de manga comprida, calça curta e gravata borboleta. Foi assim que saiu na foto após “confessado seus pecados”.
Belchiór, Belchiôr ou Belxiór?
Segundo a Academia Brasileira de Letras, pronuncia-se Belquiór. Trata-se do mesmo caso do nome Rachel e Raquel. São duas formas de escrita, com a mesma pronúncia.
Contudo, muitos estudiosos da linguística, consideram que o sobrenome falado pela família é a que deve prevalecer.
“Que saudade da professorinha
Que me ensinou o bê-á-bá”
O nosso sobralensezito teve como professoras, sua mãe Dolores e dona Cecy Cialdini. Em 1956, terminou o primário no Educandário São José. Deixava as fraldas, a chupeta e a mamadeira e recebia o diploma, contava com 10 anos de idade.
“Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava...
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas...
Com pedrinhas de brilhante.”
Ainda garoto, seu mundo tinha endereço certo: - A velha rua de terra, sem asfalto, de pedra e poeira, batizada de Santo Antonio.
Como toda criança dos bons e velhos tempos, não abria mão de seus “games”: - futebol, balões, baladeiras, bilas, pião, carrinho de rolimã; corridas atrás das galinhas, sem se esquecer do bilboquê, do diabolô, eternizados na música Lampião de Gás, na voz de Inezita Barroso. E quem diria! Ficou famoso! Belchior!!! Não! Ainda piava como o Pássaro-Lira, aquela espécie de pavão encontrada na Austrália, que imita perfeitamente, os sons que variam entre uma furadeira e uma máquina registradora. O seu repertório, incluía também os Sanhaços, Sabiás, Rouxinóis, Bem-te-vis, e até Gralha, com sua voz de taquara rachada. Há quem diga que, despontava um projeto de “Pavarotti”.
Mas e a fama? Sim! ficou “famoso” de tanto cavoucar entre formigas e minhocas os buracos de “bilas”! Recebeu o apelido de Tatu Peba!
E pensar que, não se inquietava, mesmo sob o calor infernal de Sobral. Enquanto sussurravam pela cidade que um homem bom era um ventilador no 3, para Toin Carlos e seus amigos, Chico Madeira, Domingos, Itamar, Zé Cabecinha, Nego Velho, Mário, Carlos Alberto e muitos outros, aquilo era refresco de Ki -Suco!
No recreio, entre uma e outra brincadeira, criava garlinzés, ouvia os Alto-falantes. Eram os de Padre Anchieta, Padre Damião, Padre Cícero, etc. Além das músicas, traziam notícias do mundo, sem contar das divertidas dedicatórias que os locutores intercalavam entre as músicas - "o rapaz de terno de linho branco oferece a guarânia "Índia" para a moça de blusa vermelha e saia azul que está na roda gigante!”
Vez ou outra, Toin Carlos, era visto na igreja, sentado no trono do Bispo na Catedral da Sé. Claro! longe dos olhos de Dom José! Imaginem só! O garoto chegou a parar a Banda do Zé da Macaca, comendo Tamarindo! E até tentou derrubar um avião!
“Meu maior desejo é passar no exame de admissão!”, escrevia Toin Carlos a sua mãe. E passou! Em dezembro de 1956, trajado com o famoso Fardão cor caqui, ingressou no Colégio Sobralense, e ali permaneceu até o final do ano de 1960, quando completou 14 anos de idade. Nesse período anunciava aos amigos: - Eu vou ser cantor! Seria o grito da Independência às margens do Rio Coreaú? Nem tanto! Nesse período, “tropeçou” em Monteiro Lobato, Júlio Verne e Guerra Junqueiro e mergulhou na literatura. Nascia ali a semente que, um dia o levaria ao extremo! A vontade “alucinante” de traduzir e transpor para o popular, 1000 mil desenhos do Inferno; 1000 desenhos do Purgatório; 1000 mil desenhos do Paraíso, do poema épico e teológico da literatura italiana e mundial, conhecido como a “Divina Comédia” do grande poeta e político florentino, Dante Alighieri, considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido por Victor Hugo, como il sommo poeta ("o sumo poeta").
Nos anos de 1961 a 1963, cursou o Colegial no Colégio Estadual do Ceará. Como todo bom aluno e calouro, teve que passar pelo trote! Ora fazendo discurso sem nexo trepado na margela do cacimbão da praça, ora subindo ao cocuruto do Chafariz Wallace, para fingir de estátua.
Mas, com orgulho, não ficou atrás dos vultos que por ali passaram. Adolfo Bezerra de Menezes, Guilherme Studart, Rodolfo Teófilo, Clóvis Beviláqua, Eleazer, dentre outros.
Primeiro ano – Nota Global – 7.1 – Aprovado!
Segundo ano – Nota Global – 7.9 – Aprovado!
Terceiro ano – Noto Global – 8.6 – Aprovado!
Finalmente, em dezembro 1963, recebia no Fardão, a terceira estrela e o Diploma. Contava com 17 anos.
Logo em seguida, sem um rumo certo, deu um giro de 360º . De Antonio Carlos Belchior, passou a Frei Francisco Antonio de Sobral!
Recebeu a longa túnica com capuz, a corda de três nós que representam os votos de obediência, castidade e pobreza, um grande crucifixo pendurado sobre ela e as “sandálias de São Francisco”. Um Frei? Quase! Por três anos, peregrinou entre os Capuchinhos.
Mas quem diria! Alguém poderia imaginar que o único a desafinar no Coral do Seminário era o Frei Francisco Antonio de Sobral? Advertia o Maestro: - “Frei Antonio? O senhor está desafinado e fora do tom!”
Porém, entre penitências e jejuns: -vida, vento, vela, leva-me daqui!
Em 1966, Frei Francisco Antonio de Sobral, escrevia ao Padre Geral: - “...sentindo-se incapaz de observar as obrigações inerentes à vida religiosa. Pedindo sua Benção - Fortaleza 5 de dezembro de 1966.”
Trocando em miúdos, deixou a túnica, o capuz, a corda de três nós, o crucifixo, “as sandálias de São Francisco” e “au revoir” Seminário! E, em “in nomine patri et filii et spiritus sancti”, voltou a ser Antonio Carlos Belchior.
De recordação deixou uma Sátira aos Freis Capuchinhos: -
“É ainda madrugada e o som do sino invade os claustros
Chega aos ouvidos de um noviço
Que se levanta a boca abrindo
Segue sonolento para a oração...
No coro, de sono perde a lição
E começa a ressonar
Cai de sono o infeliz.”
Até Hipócrates se renderia a Raquel de Queiroz. Em 1968, Antonio Carlos Belchior, passou no vestibular de medicina com nota máxima na prova de redação, “Telha de vidro”, de sua conterrânea Raquel de Queiroz. No resultado geral, Orestes Guedes de Figueiredo Alcoforado, foi o primeiro da lista. “Os cem cobras da Medicina!" Estampava a manchete do Jornal O Povo.
Passados alguns dias, Antonio Carlos Belchior, foi ao "camarim" de sua vontade, rodopiou e voltou de jaleco e estetoscópio! Doutor Antonio Carlos Belchior.
Nesse período, deu aulas no Colégio Santo Inácio e Julia Jorge. A uma aluna escreveu: - “A Sandra que não se cansa de pedir versos e prosas, quero que me escreva no seu caderno de rosa.” Mas frequentar aulas na Faculdade, que nada! Dava meia volta e passava horas a dedilhar seu violão Giannini, embaixo das Mangueiras do Campus Porangabuçu. Sem se esquecer dos embalos de sábado à noite no Bar do Anísio, o “Woodstock Tupiniquim”, com seu Renaut Gordini 1966, que foi a maior comprovação da "verdade cristã: - “Quando se fechava uma porta abriam-se várias! Na verdade uma lata velha que ao bater uma porta, abriam-se as três restantes!
Mas ser Médico estava longe do monólogo – “Ser ou não ser” - da primeira cena do terceiro ato da peça de William Shakespeare.
A vontade de largar a Medicina e ser cantor era tanta, que até fez um "Hino oficioso da Faculdade". Uma gozação bem-humorada.
“Quando vou fazer seresta perto do farol
Saio quando sai a lua
Vou voltar com o sol
Sou candidato a médico e doutor
Mas o que eu sei de fato é samba, meu senhor!”
Enfim, procurou o “analista amigo meu”, Professor Rômulo da Justa Theophilo Gaspar de Oliveira, para se aconselhar e ouviu: - Meu filho: - “Siga a vontade do seu coração!”
E assim, no começo de 1971, obedecendo à Lei de Newton, esticou seu nome para Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenele Fernandes e caiu para o Sul. Partiu como todo rapaz Latino-Americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, cheio de sonhos e de sangue pela América do Sul.
Finalmente, encontrou seu destino por toda sua vida. Amar e mudar as coisas me interessa mais!