A viagem

Julho de 1966 inverno, dias nublados escuros e frios. O cume das serras que circundam a pacata cidade, estão embaçados pelas nuvens chuvosas, e transfiguram um ar misterioso, intenso e inexplicável.

Os dias se seguem lentamente, até que o silencio é fraturado por uma noticia no rádio, mas, a sapiência divina desvia fortuitamente as ondas eletromagnéticas, poupando o frágil coração da minha avó da terrível noticia. Resta apenas uma dolorida dúvida.

Mais tarde, um telegrama em preto e branco, confirma os receios. (Avião cai em Olímpia interior do estado de São Paulo, os dois ocupantes não sobreviveram). A certeza lancinante invade nossos corações.

O irmão mais velho da minha saudosa mãe, meu tio Oscar, era o protagonista principal do capitulo que mudaria nossos destinos.

Apesar de ainda uma criança, percebi a comoção e o desespero dos meus familiares. Após mergulhar no caos, meus avós maternos foram embora.

Nós permanecemos ainda por algum tempo na nossa cidade natal. Sentíamos muita falta deles, em especial eu neto mais velho, meu avô sempre me levava nas suas caçadas, era seu companheiro predileto.

Mas, não demorou muito e eles convenceram meus pais a mudarem-se da pequena cidade do interior para a capital. Para mim era algo surreal, mal conhecia algumas das pequenas vilas dos arredores. Os preparativos para nossa mudança foram mais psicológicos do que materiais, o maior bem que carregávamos éramos nós mesmos, o resto cabiam em duas ou três malas. Todos os dias pensava como seria esta nova aventura por terras estranhas distantes.

Em 1967, uma noite de um dia qualquer, saímos da nossa humilde residência a pé, carregando nossas malas com todos os nossos pertences, rumamos para a estação ferroviária. Meu pai conferiu as passagens mostrou ao homem fardado de caqui, e ele nos encaminhou até o vagão leito e embarcamos no trem noturno.

O pequeno quarto dentro do vagão acomodou toda a família, éramos oito irmãos, meu pai e minha saudosa mãe. Lembro que de um lado haviam dois beliches, do outro uma espécie de poltrona marrom, que se parecia com um pequeno sofá. Ah!!! o meu cachorro, claro, eu não poderia esquecer. Eu simplesmente o adorava, mas, ele não pode vir conosco, tivemos que deixa-lo por um tempo, me partiu o coração escutar seu latido de lamento e saudade quando saímos. Mas, Sua historia contarei em outra oportunidade. O barulho da locomotiva, o cheiro do óleo queimado enchiam o ar de nostalgia e saudade. As fracas luzes dos postes da estação, mostravam apenas as silhuetas das pessoas que entravam e saiam apressadamente nos vagões. Muitas dessas pessoas desembarcariam no caminho, outras como nós, seguiriam viagem até o destino final. Ouvi um longo apito, aquele era o aviso da partida, em seguida um solavanco pôs todo o comboio em movimento, era chegada a hora. Assim teve inicio o primeiro capitulo da grande jornada de nossas vidas.

Naquele exato momento me sentia como se fosse a outro planeta. Olho pela janela e noto o movimento das luzes da cidade, a ansiedade aumenta, não conseguia conciliar o sono para dormir, tudo aquilo era uma grande aventura, rumo ao desconhecido, a adrenalina transitava em minhas veias, e o mar...como seria? Grande, profundo, azul, verde...minha cabeça era como uma partitura de ilusões.

O trem avançava na escuridão sertaneja, não saio da janela observando as luzes amareladas e fracas das casas, a medida que a velocidade aumenta, elas parecem ganhar vida. No início eram nítidas e determinadas, após alguns minutos, foram se transformando em borrões indefinidos. Já não conseguia ver as construções, apenas lampejos borrados em meio a escuridão da mata e das montanhas.

Quando o trem passou entre a grande plantação de eucaliptos, senti o cheiro do perfume fresco das suas folhas. Quantas vezes eu, e meus dois irmãos mais novos Serginho e Jairinho, brincamos em baixo das suas frondosas sombras cantando alegres canções. Talvez fosse a saudade no meu coração de menino.

O barulho das rodas de ferro sobre os frios trilhos de aço, lembravam o rugido de uma fera acuada no meio da noite. Assim, serpenteando através das planícies, o trem transportava dezenas de sonhos, incertezas e esperanças.

Rumo a terras distantes e desconhecidas, só tínhamos certeza de uma coisa...Nada seria mais como antes.

 

 

Anselmo Pereira
Enviado por Anselmo Pereira em 13/04/2018
Reeditado em 06/04/2023
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