O BRASIL E A INTERVENÇÃO MILITAR.... (2)

Situação internacional

John F. Kennedy durante a visita do então presidente João Goulart aos Estados Unidos em 1962. Posteriormente descobriu-se que o presidente estadunidense planejava invadir militarmente o Brasil para depor o governo de Goulart.

A Guerra Fria estava espalhando o temor pelo rápido avanço do chamado, pela extrema direita, "perigo vermelho".

As esquerdas espelhavam-se nos regimes socialistas implantados em Cuba, China e União Soviética. O temor ao comunismo influenciou a eclosão de uma série de golpes militares na América Latina, seguidos por ditaduras militares de orientação ideológica à direita, com o suposto aval de sucessivos governos dos Estados Unidos, que consideravam a América Latina como sua área de influência.

Fidel Castro vislumbrou expandir sua revolução no Brasil, inicialmente, usando as Ligas Camponesas de Francisco Julião. Posteriormente, propiciou treinamento militar em Cuba para brasileiros selecionados pelas organizações guerrilheiras, capazes de desencadear ações de guerrilha urbana e rural. Cuba e China passaram a financiar grupos de esquerda na América Latina, iniciando um movimento para implantar o comunismo na região, o que de certa forma influenciou na eclosão de uma série de golpes militares apoiados e financiados pelos Estados Unidos, que temiam o avanço comunista no continente. Os EUA não admitiam que os movimentos igualitários e de desenvolvimento regionais fossem contaminados pela doutrina comunista de caráter stalinista ou maoísta.

Com a polarização das ideologias houve a eclosão de inúmeros golpes de estado financiados pelos governos americano, soviético e chinês.

Guerra Fria

A origem da Guerra Fria remonta da rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética, ocorrida em meados da Segunda Guerra Mundial.

Devido aos esforços de guerra, acabaram por surgir as duas superpotências militares, que seguiam ideologias antagônicas, acirrando ainda mais as desavenças em todos os campos do conhecimento, da tecnologia e da cultura. A partir do fim da década de 1940 as desavenças entre os dois blocos acirraram-se, pois ambos afirmavam que os seus sistemas eram os vencedores da guerra que varreu o planeta na época.

Os comunistas, através de um sistema autoritário, detinham o poder de seu bloco através de sistemas ditatoriais, enquanto os capitalistas mantinham o poder através do controle econômico, cuja estrutura também financiava ditaduras de direita, que também eram sistemas autoritários.

Na América Latina, não eram raros os governos dirigidos por "caudilhos", que poderiam pender para o bloco que bem lhes conviesse. Neste panorama, todos se diziam "democratas".

Desta forma, o mundo estava em plena Guerra Fria, a maioria dos países ocidentais se diziam "democráticos" e afirmavam manter a "livre expressão".

Dizem alguns que existiam algumas exceções às liberdades democráticas como as ditaduras na América Latina. É sabido, porém, que os Estados Unidos aceitavam, financiavam e apoiavam ditaduras da direita em países nos quais acreditavam haver risco de migração para o bloco comunista, como no caso da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Haiti, Peru, Paraguai, Uruguai etc.

Situação nacional

No Brasil, o golpe de 1964 e a consequente tomada do poder pelos militares contou com o apoio do grande empresariado brasileiro, temeroso que as medidas reformistas do presidente João Goulart desencadeassem um golpe comunista, particularmente devido às nacionalizações.

A população, no início confusa e receosa, depois desinformada pela repressão à imprensa, acabou se acomodando à medida que a economia, aparentemente, melhorava.

A economia pré-1964

Os estudiosos da economia brasileira costumam dividir a economia pós-Segunda Guerra Mundial em dois períodos: o primeiro de 1947 a 1963; e o segundo de 1964 até os dias atuais.

Até 1964 a política econômica consistiu na substituição das importações, para estimular a economia doméstica, continuada mesmo com o revezamento de presidentes. Os "Anos JK", por exemplo, deram ampla atenção aos problemas urbanos, como o setor industrial, em detrimento ao rural. Segundo Roger W. Fox, do período de 1961 a 1963, houve problemas como escassez de alimentos, aumentando seus preços, gerando hiperinflação e trazendo a atenção do governo brasileiro ao setor agrícola.

Esse conjunto de fatores influenciou de forma considerável a implantação do posterior regime militar.

A política pré-1964

Em 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros pediu renúncia do cargo. O vice-presidente, João Goulart, encontrava-se em viagem à China comunista. Assumiu a presidência o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Os militares só aceitaram a posse de João Goulart depois de implantado o parlamentarismo no Brasil. João Goulart assumiu o poder em 7 de setembro de 1961. Em plebiscito realizado em janeiro de 1963, o regime voltou a ser presidencialista, aumentando o poder do presidente João Goulart.

Há confrontos abertos entre esquerda e direita no Brasil. No nordeste do Brasil, Francisco Julião organizou lutas camponesas, as Ligas Camponesas. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, tido como comunista, apoiou manifestações de estudantes. João Goulart apoiou a sindicalização de sargentos e foi acusado pelos militares de promover a quebra da hierarquia e da disciplina nas forças armadas.

De 28 a 30 de março de 1963, realizou-se em Niterói, na sede do Sindicato dos Operários Navais, um Congresso Continental de Solidariedade a Cuba, com a participação de delegações latino-americanas. Luiz Carlos Prestes manifestou o desejo de que o Brasil fosse a primeira nação da América do Sul a seguir o exemplo de Cuba, tornando-se uma nação comunista.

Em outubro de 1963, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola organizou o "Grupo dos Onze Companheiros" para tomar o poder pela luta armada. Segundo Brizola, o G-11 seria a "vanguarda avançada do Movimento Revolucionário, a exemplo da Guarda Vermelha da Revolução Socialista de 1917 na União Soviética".

No dia 13 de março de 1964, João Goulart assinou, em praça pública, no Rio de Janeiro, decretos de encampação das refinarias de petróleo privadas e autorizou a expropriação de terras, vinte quilômetros à beira de rodovias, ferrovias, rios navegáveis e açudes.

Esses decretos de 13 de março e outro comício, no dia 30 de março, no Rio de Janeiro, no Automóvel Clube, foram decisivos para a derrubada de João Goulart:

Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências.

—DECRETO Nº 53.700, DE 13 de março de 1964

Declara de utilidade pública, para fins de desapropriação em favor da Petróleo Brasileiro S A - PETROBRÁS, em caráter de urgência, as ações das companhias permissionárias do refino de petróleo.

—DECRETO Nº 53.701, DE 13 de MARÇO de 1964 (Decreto da SUPRA)

Tabela os aluguéis de imóveis no território nacional, e dá outras providências.

—DECRETO Nº 53.702, DE 14 de MARÇO de 1964

O jornal Folha de S.Paulo, no dia 27 de março, escreveu: "Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente de República de destruir as instituições democráticas?"

O Jornal do Brasil, em 31 de março, comentou as atitudes de João Goulart: "Pois não pode mais ter amparo legal quem, no exercício da Presidência da República, violando o Código Penal Militar, comparece a uma reunião de sargentos para pronunciar discurso altamente demagógico e de incitamento à divisão das Forças Armadas."

Logo após o discurso do Automóvel Clube, o general Olímpio Mourão Filho, comandante do I Exército, sediado em Juiz de Fora, próximo ao Rio de Janeiro, partiu com suas tropas, sem autorização de outros militares, e iniciou o movimento armado.

Bipolarização

Durante a eclosão do golpe de 1964 havia duas correntes ideológicas no Brasil, sendo uma de esquerda e outra de direita. Aquelas correntes tinham movimentos populares de ambas facções, acredita-se financiados com capital externo. Além da polarização, existia também um forte sentimento antigetulista, motivador do movimento militar que derrubou Jango.

Fatores políticos

Ajuda de Cuba à luta armada

De acordo com Elio Gaspari: "Em 1961, manobrando pelo flanco esquerdo do PCB, Fidel hospedara em Havana o deputado Francisco Julião. Antes desse encontro, com olhar e cabeleira de profeta desarmado, Julião propunha uma reforma agrária convencional. Na volta de Cuba, defendia uma alternativa socialista, carregava o slogan Reforma agrária na lei ou na marra e acreditava na guerrilha como caminho para se chegar a ela. Julião e Prestes estiveram simultaneamente em Havana em 1963. Foram recebidos em separado por Castro. Um já remetera doze militantes para um breve curso de capacitação militar e estava pronto para fazer a revolução. Durante uma viagem a Moscou, teria pedido mil submetralhadoras aos russos. O outro acabara de voltar da União Soviética."

No período de 1960 a 1970, 219 guerrilheiros, além de outros não identificados, fizeram treinamento militar em Cuba, alguns ainda no governo Jânio Quadros, poucos no governo Jango e a maioria após 1964. Apesar disso, as guerrilhas formadas antes de 1964 não prosperaram e foram pouco expressivas. No dia 4 de dezembro de 1962 o jornal O Estado de S. Paulo noticiou a descoberta e desbaratamento de um campo de treinamento de guerrilha em Dianópolis, Goiás (hoje Tocantins), em uma das três fazendas compradas pelo Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) de Julião.

Segundo Denise Rollenberg: "[…] Os documentos do DOPS, o temido Departamento da Ordem Política e Social, encontrados por Denise Rollemberg no Arquivo Público do Rio de Janeiro, atestam que desde 1962 o órgão acompanhava atentamente as estreitas relações de Cuba com as Ligas. A papelada registra também cursos preparatórios de guerrilha em vários pontos do País. O apoio cubano concretizou-se no fornecimento de armas e dinheiro, além da compra de fazendas em Goías, Acre, Bahia e Pernambuco para funcionar como campos de treinamento."

Fator desestabilizador

O golpe não foi algo repentino, ele foi amadurecendo aos poucos. O motivo alegado era o comunismo. O contexto, porém, era bem mais complexo: a estatização promovida por Jango e as visões conflitantes entre a política e a economia de ambas as correntes de pensamento, particularmente da extrema direita e extrema esquerda, vinham se contrapondo desde o início do século XX, sendo as alternativas mistas ainda em estágio embrionário.

O golpe militar de 1964 começou a ocorrer dez anos antes, em 1954. Um movimento político-militar conservador descontente com Getúlio Vargas, com sua condição de ex-ditador e com denúncias de corrupção, aliado aos Estados Unidos, tentou derrubar o então presidente Getúlio Vargas, que abafou o golpe terminando com sua própria vida num suicídio. A repercussão da carta-testamento de Getúlio Vargas conteve quaisquer movimentações e desestabilizou profundamente a estrutura política do Brasil.

Passados o impacto e a comoção social que se seguiram ao suicídio, em 1955, opositores de Vargas tentaram impedir as eleições, sabendo da provável derrota do grupo.

Houve assim uma tentativa de golpe, impedida pela ação firme e corajosa do marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, que garantiu a eleição e a posterior posse de Juscelino Kubitschek.