O BRASIL DA INTERVENÇÃO MILITAR.... (1)
Antecedentes da tal ditadura militar...
Jânio Quadros renunciou ao mandato no mesmo ano de sua posse (1961) e quem deveria substituí-lo automaticamente era o vice-presidente, João Goulart, segundo a Constituição vigente à época, promulgada em 1946.
Este, entretanto, encontrava-se em viagem oficial à República Popular da China. Militares então acusaram Jango de ser comunista e o impediram de assumir seu lugar como mandatário no regime presidencialista.
Depois de muita negociação, lideradas principalmente pelo cunhado de Jango, Leonel de Moura Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul, os apoiadores de Jango e a oposição acabaram fazendo um acordo político pelo qual se criaria o regime parlamentarista, passando então João Goulart a ser chefe-de-Estado.
Em 1963, porém, houve um plebiscito, e o povo optou pela volta do regime presidencialista. João Goulart, finalmente, assumiu a presidência da República com plenos poderes, e durante seu governo tornaram-se aparentes vários problemas estruturais na política brasileira, acumulados nas décadas que precederam o golpe e disputas de natureza internacional, no âmbito da Guerra Fria, que desestabilizaram o seu governo.
Em 1964, houve um movimento de reação, por parte de setores conservadores da sociedade brasileira – notadamente as Forças Armadas, o alto clero da Igreja Católica e organizações da sociedade civil, apoiados fortemente pela potência dominante da época, os Estados Unidos[14] – ao temor de que o Brasil viesse a se transformar em uma ditadura socialista similar à praticada em Cuba, após a falha do Plano Trienal do governo de João Goulart de estabilizar a economia, seguido da acentuação do discurso de medidas vistas como comunistas na época, tais como a reforma agrária e a reforma urbana. Inúmeras entidades anticomunistas foram criadas naquele período, e seus discursos associavam Goulart, sua figura e seu governo, e o "perigo comunista" ou "perigo vermelho". Esse discurso, que até fins de 1963 ficara confinado a setores da extrema-direita, conquista rapidamente maior espaço e acaba por servir de "cimento da mobilização anti-Goulart", propiciando uma "unificação de setores heterogêneos numa frente favorável à derrubada do presidente".
No dia 13 de março de 1964, data da realização de comício em frente à Estação Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, perante trezentas mil pessoas, Jango decreta a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação, para fins de reforma agrária, de propriedades às margens de ferrovias, rodovias e zonas de irrigação de açudes públicos. Desencadeou-se uma crise no país, com a economia já desordenada e o panorama político confuso. A oposição militar ao governo cresce especialmente a partir de 25 de março, com a rebelião dos marinheiros, que estavam amotinados no Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara, reivindicando o reconhecimento de sua entidade representativa. Fuzileiros navais, enviados ao local para prender os rebelados, acabaram por aderir à revolta. A quebra da hierarquia e da disciplina na Marinha é um argumento decisivo em favor do golpe militar, em nome da restauração da ordem.
"A crise na Marinha mudou o foco do processo político. Em vez de um enfrentamento entre projetos políticos, entre reforma e contra-reforma, uma luta entre os defensores da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas e os que desejavam subverter esses valores. Um desastre político para Jango e para as forças reformistas, cujo dispositivo militar começou a ruir."
Pela falta de mobilização das camadas populares da sociedade, a extensa maioria dos críticos do movimento de 1964 qualifica-o como um golpe de estado. Mesmo para muitos militares, a começar pelo ex-presidente Geisel, é claro que não houve uma revolução:
"O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento contra, e não por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução".
Para outras lideranças militares, foi uma contrarrevolução. Segundo o coronel Jarbas Passarinho:
"O movimento militar de 1964 foi uma contrarrevolução, que só se efetivou, porém, quando a sedução esquerdista cometeu seu erro vital com a rebelião dos marinheiros, com a conivência do governo, o golpe de mão frustrado de sargentos em Brasília e a desastrosa fala de Jango para os sargentos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. A disciplina e a hierarquia estavam gravemente abaladas. As Forças Armadas só então se decidiram pela ofensiva, reclamada pela opinião pública. O apoio da sociedade brasileira, da imprensa, praticamente unânime, da maioria esmagadora dos parlamentares no Congresso, da Igreja, maciçamente mobilizada nas manifestações das enormes passeatas, as mulheres rezando o terço e reclamando liberdade, tudo desaguou na deposição de João Goulart, sem o disparo de um tiro sequer, o povo aclamando os militares”.
Características gerais do novo regime e objetivos
O golpe de Estado de 31 de março (ou, segundo alguns, de 1º de abril) teve como desdobramento a instauração do regime militar.
Segundo algumas análises do período, a implantação desse regime ocorre mediante uma alteração fundamental no papel exercido até então pelo estamento militar na vida política brasileira. Tradicionalmente, as Forças Armadas do Brasil sempre haviam tido o papel de um poder moderador. Suas intervenções, até 1964, sempre se haviam caracterizado por um caráter transitório, "controlando ou depondo o Executivo, ou até mesmo evitando a ruptura do próprio sistema", especialmente diante da ascensão de novos grupos, anteriormente excluídos da participação no poder político. Todavia, em 1964, os militares não apenas atuaram na tomada do poder mas passaram a exercê-lo diretamente, instaurando um regime autoritário, centralizador e burocrático, de corte modernizador. Às expensas de uma forte compressão salarial e de uma extrema concentração de renda, adota-se um modelo de desenvolvimento em que o Estado amplia sua presença na economia, seja através do planejamento e do controle, seja como indutor de investimentos, seja como agente direto na atividade produtiva (através de empresas governamentais que constituiriam o chamado "setor produtivo estatal"), notadamente em áreas consideradas estratégicas. Esse modelo de desenvolvimento será baseado no tripé formado pelo capital estrangeiro, capital privado nacional e capital estatal, sob a égide deste último, dando origem ao chamado "setor moderno" da economia.
O movimento político-militar de 1964 fora precedido de expressiva mobilização dos grupos dirigentes e de setores mais tradicionalistas das classes médias. Identifica-se como politicamente conservador, contrário às reformas de base nacional-populistas propostas por Jango e à participação política de setores populares, tradicionalmente excluídos do pacto de poder.
Mas, na sequência, o novo regime consegue rearticular politicamente o empresariado nacional, especialmente o segmento ligado ao setor moderno da burguesia industrial e conectado ao capital internacional - ao mesmo tempo em que mantém suas alianças com as oligarquias tradicionais, num processo que Barrington Moore Jr. denominou modernização conservadora. Paralelamente, o regime também reinterpretaria a plataforma reformista de Jango, em áreas como reforma agrária (com a criação do Incra), educação (criação do Mobral) e reforma universitária, além de promover a estatização de empresas (energia elétrica, telecomunicações, siderurgia, petróleo).
Nos anos que se seguiram haverá uma significativa recuperação da economia e taxas de crescimento, que chegam a 10% ao ano, constituindo o que se chamou milagre econômico, com entrada significativa de capitais externos, atraídos também pela estabilidade política. O aumento da dívida externa seria um problema a ser enfrentado posteriormente.
Tal desenvolvimento econômico será, entretanto, acompanhado de censura aos meios de comunicação e de violenta repressão política - sob a égide da Lei de Segurança Nacional e do Ato Institucional n° 5, promulgado no final da década de 1960 - justificada pela necessidade de manter a estabilidade política e a segurança interna, em um mundo dividido pela Guerra Fria.
Além da limitação da liberdade de opinião e expressão, de imprensa e organização, a partir de 1969 tornaram-se comuns as prisões, os interrogatórios e a tortura daqueles considerados suspeitos de oposição ao regime, comunistas ou simpatizantes, sobretudo estudantes, jornalistas e professores. Para além das prisões, estima-se que cerca de 300 dissidentes perderam a vida (grupos de defesa dos direitos humanos e organizações de sobreviventes da ditadura militar, estimam que este número seja muito maior). Segundo a versão defendida pelos militares, a maioria dessas mortes teria ocorrido em confrontos com as Forças Armadas.
De acordo com relatos publicados pelo Departamento de Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas:
• (sic)… Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina militar e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a "ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil.
• Uma ideia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma expressão da época.
• Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos".
Segundo a análise do CPDOC-FGV, havia fatores históricos que posicionavam as Forças Armadas do Brasil contra o comunismo, acentuando a polarização ideológica no Brasil[28]:
• A percepção de um "perigo comunista" no Brasil passou por um processo de crescente "concretização", até atingir seu clímax com a Revolta de 1935. Assim, após a Revolução Russa de 1917, tiveram lugar no país a criação do Partido Comunista do Brasil (depois Partido Comunista Brasileiro – PCB) em 1922; a conversão do líder tenentista Luís Carlos Prestes ao comunismo, em maio de 1930, e sua ida para a União Soviética, no ano seguinte; e o surgimento, em março de 1935, da Aliança Nacional Libertadora, dominada pelos comunistas. Se em 1917 o comunismo no Brasil era visto ainda como um perigo remoto, "alienígena" e "exótico", aos poucos ele foi se tornando mais próximo.
• A frustrada revolta comunista de novembro de 1935 foi um evento-chave que desencadeou um processo de institucionalização da ideologia anticomunista no interior das Forças Armadas. Os comunistas brasileiros foram acusados de serem elementos "a serviço de Moscou" e, portanto, traidores da Pátria. Os militares que tomaram parte na revolta foram, em particular, acusados de uma dupla traição: não só do país como da própria instituição militar, ferida em seus dois pilares — a hierarquia e a disciplina. Foram também rotulados de covardes, devido principalmente à acusação, até hoje controversa, de que no levante do Rio teriam assassinado colegas de farda ainda dormindo.
• O ritual de rememoração dos mortos leais ao governo, repetido a cada ano, tornava seu sacrifício presente, renovava os votos dos militares contra o comunismo e socializava as novas gerações nesse mesmo espírito. Foi no quadro dessa cultura institucional, marcadamente anticomunista, que se viveu a ditadura do Estado Novo e que se formaram os militares que, em 1964, assumiram o poder.