BIOGRAFIA DE UM POETA

MONOGRAFIA

SAMUEL RODRIGUES FREIRE

O PROFISSIONAL, O HOMEM E O POETA

ELABORADA PELO ACADÊMICO JOÃO ANATALINO RODRIGUES

PARA A AMHAL-ACADEMIA MOGICRUZENSE DE HISTÓRIA, ARTES E LETRAS

Agradecimentos.

Deixamos aqui os nossos mais sinceros e efusivos agradecimentos aos membros da Loja Maçônica Cruzeiro Itapety, em especial os Irmãos Walter Rodrigues e Ismael Donizetti Veiga Mendonça, pelas referências fornecidas sobre o poeta Samuel Rodrigues Freire, sem as quais as informações necessárias para a composição desta monografia não seriam obtidas.

Agradecemos também aos filhos do poeta, Fabiola, Leda, Sara e Marcelo, pelas informações fornecidas e pela gentileza de por à nossa disposição as fotos e as obras escritas por seu pai, sem as quais teria sido impossível a composição deste trabalho.

E a todos os amigos e Irmãos maçons, meus e de Samuel pela colaboração prestada na composição desta monografia. Temos certeza que, de lá do Oriente Eterno, para onde vão as almas boas que cumpriram com galhardia a sua missão, Samuel Rodrigues Freire, o pai amoroso, o Irmão zeloso e o amigo fiel está nos abençoando a todos.

Sumário

Agradecimentos

A Mogi das Cruzes de Samuel Rodrigues Freire

O poeta Samuel Rodrigues Freire

Samuel Rodrigues Freire- O homem e o profissional

A obra literária de Samuel Rodrigues Freire

Eu e o Psicanalista

Harpejos de Hiram

Samuel Rodrigues Alves, o Patrono

Dados do Acadêmico João Anatalino Rodrigues

SAMUEL RODRIGUES FREIRE

O PROFISSIONAL, O HOMEM

E O POETA

A Mogi das Cruzes de Samuel Rodrigues Freire

Conheci Samuel Rodrigues Freire no começo dos anos setenta, em um recital promovido pelo antigo Centro Mello Freire de Cultura. Não era uma época muito propícia para os poetas, que precisavam tomar muito cuidado com o que escreviam. Ainda estavam frescas na memória as prisões e deportações de vários artistas, como Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e outros, que ousaram usar seus talentos para criticar a ditadura militar em suas obras.

Não só a música, e a literatura, no entanto, estavam sob a mira telescópica das autoridades. Tudo que pudesse, de algum modo, levar ao povo algum sentimento de inconformismo com o regime que havia sido implantado pelo golpe militar de 1964, estava sendo vigiado de perto pelos espiões do DOI-CODI, a temível polícia que havia sido montada pelo governo para coibir uma possível contra-revolução, que parecia estar patente no sentimento popular naqueles cruciais anos que se iniciaram com o governo do General Garrastazu Médici.

Esse sentimento transparecia principalmente nas artes populares, especialmente no teatro, na música e na poesia. Todas as ações culturais, em Mogi das Cruzes, como em outras cidades do país, constituíam uma atividade muito vigiada e estava sempre sobre a mira das autoridades, pois como dizia Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do Governo do General Médici, “artista era uma pessoa rebelde por natureza, que nunca estava satisfeita com coisa alguma.”.

Mogi das Cruzes era então um município habitado por cerca de 150.000 pessoas, como mostra o censo IBGE de 1970 e não tinha muitas opções de lazer. A maior atração eram os cinco cinemas da cidade, juntamente com os clubes, que nos fins de semana, organizavam bailes, e as festas religiosas, com suas quermesses, que atraiam milhares de cidadãos para seus bingos e barracas de doces e outras guloseimas.

E havia também os parques de diversão. Em quase todos os bairros da cidade sempre havia um pequeno parquinho, com seus altos falantes tocando as músicas do momento, que “o rapaz moreno de blusa azul, que se encontra ao lado da roda gigante, oferece á moça de vestido vermelho, cabelos loiros, compridos e sapato branco, que está em frente à barraca das maçãs...”

O Centro Mello Freire de Cultura e o TEM (Teatro Experimental Mogiano), eram as duas mais importantes manifestações culturais da cidade e apareciam como os principais locais de reunião e canais de expressão da comunidade artística de Mogi das Cruzes. Mas sem qualquer apoio das autoridades da época, patinavam em suas dificuldades, contando apenas com o comprometimento e a boa vontade de seus membros para a sua sobrevivência. Cultura, segundo dizia o prefeito da época, Waldemar Costa Filho, “não era um artigo de primeira necessidade”, a não ser para idealistas como a professora Clarice Jorge, e os professores José Cardoso Pereira, Milton Feliciano, Telma e Nelson Muniz, Pedro Nunes, Eládia Morales, Amair Campos, entre outros, fundadores do TEM, o professor José Veiga, e o nosso amigo e poeta, homenageado nesta monografia, Samuel Rodrigues Freire, que participaram da fundação do Centro Mello Freire de Cultura.

No TEM (Teatro Experimental Mogiano) e no Centro Mello Freire de Cultura eram realizadas as principais manifestações culturais da cidade. Era uma época em que ainda se podiam ouvir as bandas musicais realizando retretas no coreto da Praça Osvaldo Cruz aos sábados, e a juventude da cidade circulando para cima e para baixo no leito da rua Dr. Deodato. E também se podia apreciar, nas ruas, o grande orgulho da cidade, que eram as fanfarras do Liceu Bráz Cubas e do Ginásio Estadual Washington Luís.

Eu já conhecia o Samuel de nome. Ele publicara alguns textos nos jornais da cidade, especialmente o Diário de Mogi. Eram crônicas singelas, falando de coisas da vida cotidiana, expressas numa linguagem simples e despreocupada, que revelavam instantâneos de uma existência calma e singela, como deviam ser os lugares onde ele vivera, e como era ainda, naqueles tempos, a vida em Mogi das Cruzes, prosaica cidade de interior, que só no inicio dos anos setenta começava a se libertar da condição de cidade-dormitório da capital.

Não obstante a calmaria daqueles tempos, quando se podia andar calmamente pelas ruas da cidade, á noite, e passear de bar em bar, como faziam os boêmios da terra, Mogi das Cruzes também pagava o seu tributo às vicissitudes da política. Ainda se comentava a prisão dos estudantes mogianos Kumio Suzuki e Toshio Kawamura que foram exilados, e Antonio Benetazzo, que morreu torturado na prisão. A par disso, algumas escaramuças locais, como a que envolveu o prefeito Waldemar Costa Filho e o vereador- advogado Rubens Magalhães, que se desafiaram para um pretenso duelo que não ocorreu, davam um molho especial à vida política mogicruzense, gerando um interessante folclore para contrastar a dura realidade que a ditadura militar impunha á vida pública do país.

Mas Mogi das Cruzes já começava a adquirir o ar de uma cidade universitária com o crescimento vertiginoso que as duas Universidades sediadas na municipalidade apresentavam. A Universidade Braz Cubas e OMEC- Organização Mogiana de Educação e Cultura, que depois se tornou a UMC- Universidade de Mogi das Cruzes, atraíam milhares de estudantes para seus cursos, transformando a paisagem calma e tranquila da cidade em um alegre e colorido vaivém de jovens, descendo em ondas dos trens e dos ônibus, enchendo as estreitas ruas do velho centro com um sopro de vitalidade e esperança no futuro.

O poeta Samuel Rodrigues Freire

Não conseguimos levantar a data em que Samuel Rodrigues Freire se transferiu para Mogi das Cruzes. Mas sabemos, com certeza, que foi antes dos anos setenta, pois em 1971 ele já estava perfeitamente aclimatado á cidade, atuando como cirurgião-dentista e participava ativamente das atividades culturais que aqui se processavam. Prova disso é a sua participação, como poeta e contista em várias obras publicadas em Mogi das Cruzes no início daquela década, obras essas organizadas pelo então presidente do Centro Mello Freire de Cultura, o Professor José Veiga. Entre elas o Florilégio Mogicruzense I (1971), Coletânea Mogiana (1973), Florilégio Mogicruzense II (1974), Trovas para Mogi (1975, Anuário de Poetas do Brasil (1979), Mil Poetas Brasileiros Vol. 30 (1994), Mogi de A a Z, e Poetas Mogianos, uma publicação da Secretaria Municipal de Educação, lançada em 1995. E em 1967, como prova a carteirinha da Casa do Poeta, onde Samuel era membro efetivo, Samuel já ensaiava suas primeiras incursões na literatura.

Portanto, já era um escritor bastante conhecido em Mogi das Cruzes, como mostram essas publicações, muito comentadas na época, e constituíam o cerne da vida literária do município, juntamente com os romances da professora Botyra Camorin, que eram então as obras mais divulgadas na cidade.

Apesar do pouco contato que tivemos nessa ocasião, (eu entrei para o serviço público e fui trabalhar em outro estado), a obra literária do Samuel nunca deixou de me impressionar. Se não pela singeleza dos temas que ele trabalhava, pela melodia que ele colocava nos seus versos e na simplicidade que mostrava na sua prosa. Prova disso é a delicadeza lírica que encontramos nestes versos, que ele publicou na sua última obra “Harpejos de Hiram”, produzida para homenagear a Loja Maçônica Cruzeiro do Itapety, da qual era membro:

“ Primeira condição:

Amar-me com devoção.

Condição, logo em seguida:

Amar-me por toda a vida;

E a terceira fica assim:

Amar-me até o fim.”

Só fui me reencontrar com ele cerca de vinte anos atrás, lá pelos anos noventa, quando, de volta a Mogi das Cruzes, comecei a frequentar os saraus literários da cidade e a participar das reuniões da Maçonaria, da qual também andei afastado desde os anos oitenta, quando deixei Mogi das Cruzes para trabalhar em outras cidades.

Não havia mudado muito. Magrinho, discreto, sempre gentil e extremamente educado, ficava lá no seu canto, nos saraus, e só se apresentava quando chamado. Declamava suas poesias como quase envergonhado. E nas colunas da Loja Maçônica, embora ostentasse o grau de Mestre Maçom, possuidor dos mais altos graus, só se manifestava quando tinha algum comunicado importante a fazer.

Sua Loja mãe era a A. R. L. S. B. Cruzeiro do Itapety, onde ele foi iniciado em 13 de Agosto de 1977, mas como participante ativo do movimento maçônico em Mogi das Cruzes, ele foi fundador da Loja “Acampamento dos Aprendizes”, onde exerceu os cargos de Chanceler e Mestre de Cerimônias. Todos os Irmãos lhe votavam um profundo respeito, como se pode verificar pelos comentários publicados no livro “Harpejos de Hiram”, que ele escreveu par homenagear a sua Loja Mãe.

Certa vez lhe perguntei porquê, tendo ele um currículo tão rico em realizações maçônicas, nunca se candidatara a Venerável Mestre da sua própria Loja-Mãe, a Cruzeiro do Itapety. A resposta que ele deu me fez refletir: “ Rendo mais no Ocidente das minhas ações do que no Oriente da minha vaidade”.

Para quem interessar possa “Oriente e Ocidente” são divisões de um Templo maçônico, onde os Irmãos se reúnem em Loja. No Oriente sentam-se os oficiais da Loja, ou seja, aqueles que ocupam os cargos mais importantes. São os que dirigem a Loja, inclusive o Venerável Mestre, que é o seu dirigente máximo. No Ocidente sentam-se os demais membros, que não ocupam cargos de direção, com exceção dos Vigilantes, que ali estão como executores simbólicos das ordens que vem do Oriente. Samuel nunca quis sentar-se no Oriente. Preferia o Ocidente, que é onde efetivamente as realizações da Maçonaria se concretizam pelas ações que os irmãos realizam.

Mas não nos desviemos do nosso foco. Samuel, o maçom, em nada desmereceu o conceito do verdadeiro Irmão, que assume decididamente o princípio defendido pela Maçonaria, de que um verdadeiro “Obreiro da Arte Real”, como são chamados os maçons, devem “levantar templos à virtude e cavar masmorras ao vício.” Foi isso que ele fez a vida inteira. Jamais se soube, na sua vida pessoal, social ou profissional, que ele tivesse praticado qualquer ato indigno ou que maculasse a sua biografia. Ao contrário, só vamos encontrá-lo trabalhando incansavelmente por alguma causa social ou praticando ações de filantropia, como as que ele desenvolveu junto à AMDEM, Associação Mogiana para a Defesa da Criança e do Adolescente- ONG sediada em Mogi das Cruzes, que presta assistência á crianças e adolescentes menos favorecidos. Samuel foi um grande batalhador dessa causa, participando dela, não só como diretor dessa entidade, mas também como contribuinte, em recursos financeiros e prestador voluntário de serviços.

Samuel Rodrigues Freire- O homem e o profissional

Samuel Rodrigues Freire nasceu em Cuibá, Mato Grosso, em 18 de abril de 1926. Filho de Victoriano Rodrigues Freire e Leovigilda de Mattos Freire. Pouco se sabe de sua infância na capital de Mato Grosso, porquanto, ao que parece, logo nos primeiros anos da sua juventude ele se transferiu para Araraquara, Estado de São Paulo. Essa data também é incerta, mas seguramente foi antes dos anos cinquenta, pois precisamente em 1955, com vinte e nove anos, ele se formava cirurgião-dentista pela Faculdade de Odontologia daquela cidade do interior de São Paulo. Dada sua natural modéstia e até uma certa timidez, que o fazia rejeitar a demasiada exposição pública, Samuel não costumava falar muito de si, nem pessoalmente, nem em suas obras, o que dificulta sobremaneira a composição de sua biografia. No entanto, às pessoas que o conheceram o respeitavam profundamente pela sabedoria que colocava em suas manifestações, e pelas atitudes práticas que tomava na vida profissional e social, bem como pelas obras que compunha naquele que era, como ele dizia, a sua principal fotografia de vida, ou seja, a literatura.

Dele fala o Dr. Maurimar Bosco Chiasso, juiz, advogado e maçom, que teve o privilégio de prefaciar o delicioso livro que Samuel escreveu em homenagem à Maçonaria, e que ele chamou de “Harpejos de Hiram”, mas que poderia ser perfeitamente considerada como um resumo da filosofia maçônica, pois nele se encontram, resumidos, os preceitos, pressupostos e finalidades da Maçonaria, enquanto filosofia e prática de vida:

“Samuel Rodrigues Freire, poeta, trovador, pai extremoso, amigo leal, antes irmão reverencial, escreve o Dr. Maurimar, (...) Recebeu-me, aliás na iniciação, assistiu-me nos estudos maçônicos, e conduziu-me a atingir a plenitude dos graus. Revelou-se sempre extraordinário observador; nacionalista por convicção, como convém às tradições maçônicas. Samuel, em todas as posições que lhe coube na Loja, nunca olvidou de nos dedicar uma lição de civismo, de amor ao próximo, de humildade franciscana, mas também de altivez, de orgulho e honra por pertencer à nossa Instituição, sempre que se apresentasse a oportunidade apropriada.”

Essa era a visão da maioria das pessoas com quem ele compartilhou e viveu boa parte da sua vida social e profissional em Mogi das Cruzes. Visão compartilhada pelo seu amigo e confrade Ismael Donizetti Veiga Mendonça, membro da Academia Mogicruzense de História, Artes e Letras, a quem coube a honra de indicar seu nome para patrono da cadeira ocupada pelo acadêmico autor desta monografia. ”Samuel’ diz Ismael, “era uma pessoa tão modesta, que evitava até colocar em suas obras demasiadas informações pessoais. Não há, em seus livros, uma fotografia sua, nem um pequeno currículo de identificação do autor, como é costume se colocar em obras literárias. No entanto, poucas pessoas tinham tanta cultura humanística quanto a que ele adquirira em sua vida. Samuel vivia plenamente os preceitos da Maçonaria e compartilhava com os Irmãos os benefícios dos seus dotes privilegiados.”

Não sabemos a data exata em que Samuel Rodrigues Freire se transferiu para Mogi das Cruzes. Isso deve ter ocorrido entre 1958 e 1959, pois consta de um de seus livros (Harpejos de Hiram), que ele clinicou por três anos em Corumbá, MT, após a sua formatura. Em Corumbá, aliás, ele também trabalhou no serviço aduaneiro da alfândega daquela cidade, que faz fronteira com a Bolívia, conforme informa seu filho Marcelo. Se ele se formou em 1955, como consta de seu diploma, e também informa sua filha Sara, sua transferência para Mogi das Cruzes deve ter ocorrido em fins da década de cinquenta. Pois já em 1971, vamos encontrá-lo perfeitamente aclimatado ás atividades literárias da cidade, já que participa, junto com outros autores, da publicação de uma coletânia de poemas, chamada Florilégio nº 1, editado pelo Centro Mello Freire de Cultura, entidade que, aliás, ele ajudou a fundar.

Tão aclimatado já estava em Mogi das Cruzes, que já nos anos setenta vamos encontrá-lo participando ativamente de várias organizações sociais e filantrópicas. Samuel foi membro do Lions Clube de Mogi das Cruzes e do Rotary Clube. Dos dois clubes de serviços participou com muito entusiasmo e comprometimento. Milton Martins Coelho, um dos mais antigos e atuantes membros do movimento Lions em Mogi das Cruzes, tendo sido inclusive Governador do Distrito, lembra-se dos tempos em que Samuel fazia parte do seu clube: “O Samuelzinho era muito atuante e prestativo”, diz Milton. “Nunca faltava às reuniões e nas campanhas que realizávamos, especialmente na área de saúde, ele sempre estava à frente. Sendo dentista, sua colaboração era muito importante e sempre trazia bons resultados.”

De fato, Samuel era cirurgião-dentista. “Um dos primeiros da cidade”, diz Nilton Dutra, outro conhecido cirurgião-dentista de Mogi das Cruzes, que também comungou com Samuel, tanto nas lides profissionais quanto sociais, pois também era maçom. “Samuel era um doce de pessoa”, diz ele. “E um grande profissional”.

Realmente era. Tanto que, nos anos setenta, tão logo foi instalada a Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes, e nela aprovada o curso de odontologia, ele se tornou um dos seus primeiros professores, ocupando a cadeira de Odontologia Social e lecionando a disciplina Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial por vários anos.

Como dentista, Samuel trabalhou mais de quarenta anos, se aposentando apenas por volta de 2010, quando, já viúvo e com a saúde abalada, não tinha mais condição de praticar a profissão.

Mas da literatura ele nunca se aposentou. Encontrei-o várias vezes nas reuniões do Entremeio Literário, reunião de poetas da cidade, liderado pela poetiza Carla Pozzo, que é realizada ás terças-feiras, no antigo Casarão do Carmo. Lá no seu cantinho, discreto e sempre gentil, Samuel puxava o seu poema, escrito á mão, em uma folha de caderno: “Senhor, protegei a humanidade/imersa em perplexidade/ante a confusão geral/que se torna universal/e já se sente combalida/sozinha e quase vencida/na violência global/perante as forças do mal/ (...) .

Um poema comovente que soava muito mais como uma prece, na qual ele expressava sua preocupação pela deterioração dos valores sociais e pelo acirramento dos conflitos, que já nesse fim do século vinte e início do século vinte e um começavam a se prenunciar, com o ataque terrorista à Torres Gêmeas em Nova Iorque.

“Dai-nos Senhor

A nós, pobres mortais

Para aliviar nossos ais,

Um só olhar de bondade,

De amor e caridade.

Fazei que entre os irmãos,

Não apenas os cristãos,

Mas de todos os credos, crenças,

Povos, nacionalidades,

Cultura, cor ou idades,

Jamais haja desavenças,

Malquerença ou discórdias;

Mas que a paz, a harmonia,

E a concórdia,

(essa Virtude escassa)

Seja a tríplice argamassa

Com que se ligam as nossas obras,

Para a construção do bem,

Agora, aqui e no além “(...)

Assim era o Samuel. Um homem profundamente preocupado com os valores morais e éticos de uma sociedade, que ele via, estava pouco a pouco, comprometendo o seu futuro pela negligência com os seus principais valores. Valores como a família, por exemplo, que ele tanto prezava e amava.

Não era para menos. Casado com Josephina Abrão, que se tornou Josephina Abrão Freire em 21/07/1957, com ela viveu exatos cinquenta anos, pois essa união durou até o falecimento dela em 2006.

Dessa união nasceram seis filhos, José Marcius e Vinícius, ambos falecidos, e Fabíola, Leda, Sara e Marcelo, que falam de seu pai com muita saudade e amor.

“ Meu pai”, dizem Marcelo e Leda, a quem devo a maioria das informações sobre a vida familiar de Samuel, “era um homem que vivia estritamente para a família e para a profissão dele. Ética profissional e valores morais, como honestidade, justiça, amor ao próximo e serviço á sociedade eram coisas sagradas para ele. Foi um pai zeloso e muito presente em nossas vidas.”

Além disso, completam Marcelo, Leda e Sara, “meu um pai era um grande apreciador de cultura. Lia muito. Gostava imensamente de poesia e música, sendo a música erudita a sua preferida. Tinha até uma gaita, de onde tirava uns acordes de vez em quando. Era uma pessoa muito agradável de se conviver.”

E era mesmo. Pelo menos é o que todas as pessoas que o conheceram dizem dele. “Nunca vi o Samuelzinho falar mal de alguém, criticar quem quer que seja, ou reclamar de alguma coisa em relação á família, aos amigos, ou a vida em geral”, diz Ismael Donizzete Veiga Mendonça, fotógrafo e irmão maçom, que fez a capa do livro “Eu e o Psicanalista”, obra maior do acervo literário de Samuel Rodrigues Freire.

Da minha parte, lembro-me do Samuel com muito respeito e saudade. Estive com ele pela última vez em 2010, quando eu era provedor da Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes e ele foi procurar-me para obter algumas informações sobre um treinamento em Programação Neurolinguística que eu costumava dar na época. Ele já estava, então, sofrendo da doença que o levaria embora. Mas ainda ostentava, no semblante e na altivez de um comportamento que nunca se entregou às vicissitudes da vida, aquela férrea disposição de luta que sempre fora a marca das suas atitudes perante a vida. Debilitado pela doença, ainda sofrendo a perda da companheira de cinquenta anos, que falecera em 2006, Samuel ofereceu ajuda e colocou-se à nossa disposição, como voluntário, para o que fosse necessário em nosso trabalho junto á Santa Casa de Mogi.

Querido Samuelzinho. Quando cruzamos espadas em sua homenagem, no dia 3 de fevereiro de 2012, no cemitério Memorial de Suzano, demos adeus não só a um grande poeta e ativista social, mas também a uma grande alma cuja encarnação, aqui na terra, foi plenamente justificada pelo magnífico exemplo que deixou. Samuel Rodrigues Freire faleceu no dia 2 de fevereiro de 2012, deixando quatro filhos e seis netos, além de um número incontável de amigos e admiradores.

A obra literária de Samuel Rodrigues Freire

Afora os artigos que escreveu para os jornais da cidade e dos textos que publicou nas várias coletâneas já referidas, os quais não estão mais á disposição do leitor e não puderam ser recenseadas para constar deste trabalho, as duas mais importantes obras de Samuel Rodrigues Freire são os livros “ Eu e o Psicanalista” e “Harpejos de Hiram”.

Eu e o Psicanalista foi publicado em 2011 com uma tiragem de 2000 exemplares. É uma sátira interessante, que repassa, em prosa e verso todas as tradições que dão molho à alma brasileira, essa alma cabocla, um tanto sarcástica e até macunaímica, que sabe tirar uma boa piada de tudo, mesmo até das dores e dos momentos mais difíceis da vida.

Samuel era um homem sério no semblante e na sua vida social e profissional. Quem via somente a sua aparência podia achar nele um sujeito fechado e até um tanto antipático. Mostrava isso no rosto sempre reflexivo que parecia estar julgando tudo que ouvia e via. Mas quem o conhecia mais intimamente sabia que por trás daquele rosto sério havia um espírito bem humorado e pronto para tirar uma boa piada de tudo. É o que ele mostra no livro “Eu e o Psicanalista”

Eu e o Psicanalista

Nessa obra Samuel explora, com muita habilidade, o seu extenso conhecimento do vocabulário, utilizando termos pouco conhecidos no linguajar coloquial. Num texto carregado de neologismos, ele relata um diálogo entre um individuo meio atrapalhado com os próprios pensamentos e as mais variadas informações que o seu cérebro armazenou, sem conseguir organizar tudo num processo lógico que pudesse dar um rumo á sua vida. E para complicar mais o caso, o analista com que ele vai se consultar se revela ainda mais atrapalhado do que ele. O que resulta desse bizarro encontro entre o atoleimado cliente – que parece inspirado no Macunaína do Mário de Andrade – e o alienado analista, que nos parece ter algo do Analista de Bagé, personagem de Luís Fernando Veríssimo – é uma gostosa sátira ás diversas fontes de tradição que informam as crenças, as lendas e os costumes que formatam a alma brasileira. Fontes caboclas, oriundas dos nossos índios, negros e colonizadores e aquelas importadas através da música e da literatura, cuja variedade ele parece conhecer de sobra.

No fim,” Eu e o Analista” acaba por ser um gostoso e hilário passeio, feito de forma ilógica e desprovida de um roteiro, pelas diversas fontes de informação que moldam esse lado sátiro e até um pouco descompromissado com a realidade, que muitos autores enxergam no espírito do povo brasileiro. Esse mesmo espírito que levou Charles De Gaulle, por exemplo, a dizer que o Brasil não era um país sério e o poeta Mário de Andrade a compor o seu personagem principal, Macunaíma.

O estilo adotado por Samuel nessa obra lembra bastante a forma quase surrealista com que os autores de música, poesia e teatro, nos anos sessenta e setenta, gostavam de expressar suas angústias e perplexidades. Com uma linguagem descontextualizada e ilógica, despregada de um processo linguístico de construção natural, dirigida, muito mais á nossa sensibilidade do que à nossa mente consciente. Quem não se lembra, por exemplo, das canções “Sem Lenço, Sem Documento” e “Baby”, ambas de Caetano Veloso, ou do grande sucesso “ A Whiter Shade Of Pale” da banda Procul Harum, cujas letras parecem não ter sentido, dentro de um discurso logicamente construído?

E dessa forma Samuel passeia pela inconsciência da nossa consciência, cantando, declamando e poetando, de sua própria lavra, uma multidão de pensamentos desencontrados, que no fim retratam a nossa própria vida, na forma de uma jornada errática por um território desconhecido, á procura de um sentido. Que ele, na sua simplicidade e humildade sem hipocrisia, acreditava ter encontrado.

Harpejos de Hiram

O outro livro de Samuel Rodrigues Freire, que nos serviu para análise da sua obra é “Harpejos de Hiram”. Trata-se de um pequeno livro de poemas feito para homenagear a Loja Maçônica Cruzeiro Itapety, Loja em que ele foi iniciado em 13 de agosto de 1977.

Sendo um livro dirigido especialmente aos maçons, os poemas enfeixados nessa obra tratam, evidentemente, de temas de interesse aos membros da Maçonaria. Bom maçom que era, Samuel não entra em detalhes sobre assuntos da Ordem, como convém aos Irmãos Três Pontos, cujas instruções são sempre no sentido de se manterem discretos sobre tudo que se refira à tradição e as práticas realizadas pelos Obreiros em Loja. O que nesse delicioso opúsculo se encontra são, de fato, os pressupostos e os ideais defendidos pela filosofia maçônica, como se pode perceber nas bem cuidadas estrofes que Samuel compôs para expressar o seu pensamento maçônico. Que pode ser resumido neste poema em que ele utiliza uma máxima maçônica, que encerra o processo de iniciação de todo neófito que é admitido na Ordem:

“ Dizei, pobre viajeiro,

Que por este mundo inteiro,

Estais a perambular,

Exposto ao tempo inclemente,

Aos raios do sol ardente,

Á força da água e do ar;

Em que crença ou entidade,

Em que mito ou divindade,

Pudestes talvez pensar,

Neste cego caminhar?

“Quando, na senda espinhosa,

Nessa estrada pedregosa,

Que tive de atravessar,

Claudicando cegamente,

Trôpego, fraco, impotente,

No meu falso caminhar,

Sem luz para iluminar,

Os trôpegos passos meus;

Confiei humildemente,

Não em mitos, mas somente

Com fé, confiei em Deus”.

Não era de boca de para fora a confiança que Samuel expressava ter em Deus, o Grande Arquiteto, como o chamam os maçons. Convicto de sua crença em Deus, bom católico que era, ele, no entanto, nunca foi radical nem intolerante com outras crenças. Sua ideia de uma Divindade Suprema ele a expressou em sua “Prece Do Maçom”, publicada no livro “Harpejos de Hiram”.

Senhor:

Seja pelo nome que for

Que os homens vos invocarem

Os que em vós confiarem,

Seja Deus, God ou Jeováh,

Ou Buda, Shiva ou Alláh,

Seja Zeus, Brhama ou Tupã,

Ou Rá (Deus-Sol da manhã)

Ou, num sentido concreto

Seja o Grande Arquiteto,

Do Universo sem final,

Que de um modo especial

O chama a Arte Real;

Seja por qual nome for,

Que vos clame humildemente

O justo e o pecador,

Atendei ó Deus clemente

Com toda a Vossa Bondade

A nossa perplexidade (...)

Samuel Rodrigues Alves, o Patrono

Samuel Rodrigues Freire cumpriu com galhardia sua missão na terra, deixando um belo exemplo de vida e uma grande saudade entre todos aqueles que o conheceram. Pelos méritos que conquistou com sua obra e pela sua contribuição à cultura e à sociedade de Mogi das Cruzes, SAMUEL RODRIGUES FREIRE é o patrono da Cadeira nº 12 da ACADEMIA MOGICRUZENSE DE HISTÓRIA, ARTES E LETRAS de Mogi das Cruzes.

DADOS BIGRÁFICOS DO ACADÊMICO JOÃO ANATALINO RODRIGUES

JOÃO ANATALINO RODRIGUES, NASCEU EM CUNHA, SÃO PAULO, EM 20 DE DEZEMBRO DE 1944;

FILHO DE JOSÉ MARIANO RODRIGUES E MARIA MARCELINA RODRIGUES

CASADO COM MARIA AMÉLIA RODRIGUES, TÊM DUAS FILHAS E 5 NETOS.

FORMADO EM ECONOMIA E DIREITO PELA UBC E MESTRE EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC-SÃO PAULO

RESIDE EM MOGI DAS CRUZES DESDE 1953.

COMO ESCRITOR PUBLICOU OS LIVROS:

“NOITE, VENTO E CHUVA” -CRÔNICAS 1986 “

“ CENTÚRIA - ROMANCE SONETADO”, POESIA, 1995

“CONHECENDO A ARTE REAL” - HISTÓRIA E FILOSOFIA MAÇÔNICA,

2007,

“Á PROCURA DA MELHOR RESPOSTA” PROGRAMAÇÃO NEUROLINGUÍSTICA, 2005

“ O FILHO DO HOMEM” – ROMANCE HISTÓRICO, 2009;

“MESTRES DO UNIVERSO” HISTÓRIA DA MAÇONARIA, 2011

- O TESOURO ARCANO- ESTUDOS SOBRE SIMBOLISMO MAÇÔNICO, 2013.

CEM ANOS DE MAÇONARIA- HISTÓRIA DA MAÇONARIA EM MOGI DAS CRUZES- 2012

O PODER DOS ARQUÉTIPOS- PROGRAMAÇÃO NEUROLINGUÍSTICA- 2014

O PARTO DE DEUS- POESIA- 2016

CABALA E MAÇONARIA- HISTÓRIA E FILOSOFIA MAÇÔNICA, 2017