Inacreditável

Durante um final de semana, em visita a uns amigos em uma cidade do interior, reunidos em volta da churrasqueira, saboreávamos uma boa carne, regada a um ótimo Whisky, com gelo de água de coco.

Escutei uma história maravilhosa, digna dos quadrinhos de gibis.

Narrada pelo próprio protagonista, que por razões óbvias omitirei seu nome, vou chama-lo apenas de Tio. O fato aconteceu em Salvador, e foi mais ou menos assim:

Na época em que o shopping Iguatemi havia sido recém inaugurado, Tio fora a este shopping comprar algo, que no momento não recordou o que era (a idade já o roubava um pouco da memória, risos) chegando ao estacionamento, rodou de um lado para o outro a procura de uma vaga. Na época, ainda não havia pavimentação total do estacionamento e muito menos demarcações de vagas. Após algum tempo, achou um local acanhado bem lá no canto. Com todo cuidado do mundo, estacionou o seu potente Chevette preto, naquela vaga apertada.

Fechou o carro e adentrou ao shopping. Já no interior do mesmo, se dirigiu a loja onde compraria a tal coisa. Não se demorou muito, logo depois da compra, saiu do shopping e se dirigiu ao estacionamento. Já haviam muito mais veículos naquele momento. A principio ele procurou, procurou, e não encontrou seu Chevette. Não convencido, achou que estaria no lugar errado, a ficha ainda não lhe havia caído. Chegou a indagar a outras pessoas que ali estavam, mas suas perguntas não faziam o menor sentido, imaginem perguntar a alguém por algo desconhecido. Depois de alguns angustiantes minutos procurando, finalmente entendeu que sua pujante máquina, havia sido subtraída pelo amigo do alheio.

Bem, o jeito era ir a uma delegacia e registrar queixa, assim o fez. Após os trâmites, tomou o caminho de casa. Sua cabeça estava a mil, não se conformava com a idéia da perda do seu potente parceiro, afinal, tinha investido todas as suas economias naquele veículo. Definitivamente não desistiria dele! Pegou sua moto CB 400, e saiu pelas ruas da cidade, na esperança de encontrá-lo. Depois de muitas idas e vindas, já quase noite, chegou na D. João VI em Brotas, ali teve uma surpresa... Parado do lado contrário da pista, lá estava, tinha certeza, era ele, além da placa, um sinal em particular o denunciava, aquele velho amassado em sua lataria, embora o bandido já o houvesse maquiado com alguns retoques de preto fosco, ele reconheceu de imediato.

Na época Tio que era militar, andava com sua arma, estava devidamente preparado para o resgate.

Deixou a moto a um distância segura, aproximou-se cautelosamente da porta do motorista. Apontou o "três doisão", e bradou com todo seu peito, "DESÇA AGORA, ESTE CARRO É MEU".

O bandido incrédulo com sua determinação, se assustou e arrancou dando um intempestivo cavalo de pau. Até mesmo Tio, chegou a duvidar que seu parceiro tivesse saúde para tal proeza. O cara seguiu cantando pneus em sentido contrário, deixando um rastro de fumaça e cheiro de borracha queimada, era demais, não desistiria por nada do seu chevette. Mas, os justos sempre serão recompensados, e mais a frente o larápio ficou preso no trânsito.

Tio montou em sua moto, seguiu o bandido agindo com coragem e denodo. Como que atuando num filme de James Bond, parou a moto do lado do motorista, apontou a arma e disparou. Os vidros da janela voaram em trezentos e sessenta graus, criando um arco-iris branco e cintilante em todas as direções. Neste momento uma multidão começou a se formar em direção ao tumulto. Meio aturdido pelo fato, Tio arrancou e saiu em disparada, foi direto até a casa do seu irmão, precisava de todo apoio disponível.

Lá chegou como um relâmpago, relatou os fatos, guardou a moto e juntos saíram em outro carro, o mais rápido que puderam para o local da ocorrência. Nova surpresa... o carro não estava mais lá. Sua frustração e incredulidade passaram do limite, mas, sua obstinação em recuperar seu valoroso chevette era muito maior. Abatido e triste retornou para casa, sua garagem assim como seu coração, estavam vazios.

Mal o dia clareou, pegou novamente a moto e saiu em nova busca. Rodou, rodou, subiu, desceu, entrou em vielas e becos, transitou por todas as "bocadas" da cidade, e nada. Desanimado, cansado mas esperançoso, continuou sua busca. Lá pelo meio da tarde, nas imediações do Largo do Tanque, nova surpresa...lá estava seu chevette. Suas portas estavam abertas com os vidros recolhidos, seus faróis acesos. Era como um pedido de socorro. Tio não titubeou, se aproximou cautelosamente, então, nova surpresa...desta vez, não havia ninguém no interior do carro, notou também, que as poltronas e o piso estavam com respingos de sangue. Desconfiado, sem tirar o olho, se dirigiu a um posto policial a poucos metros dali. Lá chegando mostrou os documentos, e rapidamente contou "quase" tudo aos homens da lei.

Os policiais conferiram os documentos, e disseram que levariam o carro para a delegacia de Furtos e Roubos, onde ele o poderia resgatá-lo no dia seguinte.

E assim, mais uma vez, lá vai Tio, desta vez seu coração estava mais sereno, a noite foi mais plácida, apesar da expectativa. Quando brotou o primeiro raio do sol, sobre os telhados úmidos da cidade, ele foi o primeiro a se levantar da cama. Saiu voando para a delegacia, e foi o primeiro a ser atendido.

Tão simples assim, sem lhe fazerem uma única pergunta, entregaram seu inestimável Chevette 76.

Dentro do carro a última surpresa, desta vez macabra... um dente inteiro com a sua raiz. Tio certamente é merecedor do honorável titulo de Sherlock Holmes. INACREDITÁVEL.

Anselmo Pereira
Enviado por Anselmo Pereira em 25/10/2017
Reeditado em 29/10/2017
Código do texto: T6153172
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