RECORDAÇÕES
UMA GRANDE DECEPÇÃO MARCA MINHA VIDA
06 de dezembro de 1963. Estava no Seminário Nossa Senhora de Fátima, em Itaúna, Minas Gerais. Terminara o ano letivo. Tinha sido aprovado para a 3ª série do curso ginasial. Hoje, 7ª série do Ensino Fundamental. Terminada a oração do terço, como fazia todas as noites, alguém, meu colega “Perdigão”, chega ao meu ouvido e diz: “O padre Adriano está te chamando no quarto dele.” Eu estava lendo o livro Miguel Strogoff, do autor francês Júlio Verne. Parei imediatamente e fui atender à solicitação do diretor. "Luizinho", disse-me ele: “Achamos que você não tem vocação. O melhor é você voltar para casa.” Aquelas palavras foram uma verdadeira punhalada no meu peito. Perguntei-lhe: - Posso ir para outro seminário? "- Pode." Disse-me ele. "Às vezes, nós nos enganamos." Como foi triste sentir que meu sonho estava se desfazendo, pensar em abandonar meus amigos, meus colegas que havia feito no seminário...
A última noite que passei no seminário representou um dos períodos mais longos de minha vida. Arrumei as minhas malas e, por que não dizer, chorei praticamente a noite inteira. Não queria abandonar a opção que havia feito, embora julgasse que a minha escolha tivesse sido feita num período em que eu era tão criança e sem experiência.
Era o dia 7 de dezembro de 1963. O próprio diretor, o Padre Adriano, me chamou para ajudar a missa, como coroinha, no dia da partida. Terminada a cerimônia religiosa, tomei café e fui para a rodoviária. Cheguei a casa no horário do almoço. Mamãe não estava. Tinha ido à cidade levar almoço para os meus irmãos. Quando me viu, levou um grande susto. Ela não sabia de nada. Ficou muito triste, mas colocou a situação nas mãos de Deus.
COMEÇAR UMA NOVA VIDA
Mamãe, considerando que eu ainda era muito jovem, tomava as providências necessárias, já que, naquela época, era nova, forte e muito esperta. Foi quando, no ano seguinte, 1964, visto que eu desistira de procurar outro seminário, ela procurou o Colégio Municipal de Belo Horizonte, no Bairro Lagoinha, visando à inscrição no concurso de seleção de candidatos para a 7ª série, ou 3º ano ginasial, como era chamado. Assim o fez.
Participei da seleção de candidatos e consegui ótima aprovação: 2º lugar. Fiquei feliz com o resultado, e a minha vida tomaria novos rumos. Estranhei muito quando começaram as aulas: ambiente, disciplina, professores etc. Fiquei um tanto triste, pois não alcançava o primeiro lugar da sala, como acontecia no seminário. Mas, tudo bem.
Chega o mês de agosto de 1964. Bate-me uma vontade de arranjar um emprego e, felizmente, com a ajuda de um conterrâneo, iniciei minha vida como trabalhador em uma empresa chamada Jardim dos Móveis Ltda., à Rua Curitiba, 701, em Belo Horizonte, na função de aprendiz, fazendo serviços de contínuo, em meio expediente, levando-se em conta que estudava na parte da manhã. Ganhava o meu dinheirinho o qual me dava muita satisfação e dele tirava uma parte para ajuda no sustento de nossa família.
Em 1965, fui aprovado para o 4º ano ginasial. Matriculei-me no curso noturno para poder trabalhar o dia todo e ganhar um salário melhor. Foi quando apareceu uma oportunidade, através de um anúncio de jornal, de uma vaga em uma empresa chamada Sobril Ltda. – Sociedade Britadora. Trabalharia o dia inteiro e o salário, o dobro. Naquele tempo, menor de 18 anos, ganhava meio salário mínimo. Foi o que fiz: trabalhar de dia e estudar à noite.
As coisas foram acontecendo, eu fui me desenvolvendo, quando minha mãe, no final do ano de 1965, me comunica que haveria um concurso externo para Contínuo, no Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER/MG), informação obtida através da D. Hilda, já falecida, que trabalhava no Posto Médico da Cooperativa do DER/MG, situado na Rua da Bahia, esquina de Rua dos Tupinambás. Naquela esquina, meu pai trabalhava com um carrinho, parecido com esses de pipoca, vendendo doces. Mamãe levava marmita para o papai e, um dia, aquela senhora, por acaso, indagou à minha mãe se ela não tinha nenhum filho para fazer concurso naquele Departamento. Foi quando então não perdi a oportunidade. Inscrevi-me e fui aprovado. Não fui convocado de imediato, já que a minha colocação foi a 32ª. Em julho de l966, recebi um telegrama convocando-me para o contato inicial com o Chefe do Serviço de Cargos e Salários, à época, Geraldo Maquiné de Freitas, que me fez uma explanação completa de como seria a minha vida profissional no DER, caso eu aceitasse, sobre as possibilidades de promoção, etc. etc.. O único problema que me colocou pensativo foi o salário. De novo, retornar a meio salário mínimo. Mas com uma vantagem, trabalhar de 12h às 18 h. Claro que aceitei. Fiz um acordo com o proprietário da empresa onde trabalhava, prestando serviços na parte da manhã, ganhando mais meio salário mínimo. Tudo bem. Em 3 de agosto de 1966, comecei a minha nova jornada. De princípio, fui encaminhado para prestar serviços como contínuo, na Estação Rodoviária, a antiga. O prédio era muito feio, um movimento muito grande de entra-e-sai de ônibus. Quando o Sr. Salomão, já falecido, encarregado de distribuir os novatos para as áreas do DER-MG que estavam precisando, eu disse a ele:
- Eu gostaria de trabalhar na Sede do DER-MG, ao que ele me respondeu:
- Você nem entrou para o DER-MG e já está escolhendo o lugar para trabalhar?
- Fiquei sem graça, pus “o rabo entre as pernas” e me apresentei na Rodoviária. Fiquei triste. Mas o que fazer?
No outro dia, pela manhã, ao me apresentar, o Sr. Vial, um dos chefes da Rodoviária, me perguntou:
- Você que é o Luiz Gonzaga?
- Sim. Respondi.
- Recebi uma ordem do Sr. Salomão para você retornar à Sede e se apresentar a ele.
Fiquei feliz. Acabei descobrindo que uma senhora, Dona Dulce, ao ouvir minha conversa, teve pena de mim e pediu ao Sr. Salomão que atendesse o meu pedido. Fiquei muito satisfeito. Encaminharam-me para a portaria do Departamento, ficando à disposição do Sr. Rui Ferreira, até que fui encaminhado para prestar serviços no Gabinete do Diretor Geral. Na época, era o Dr. Eliseu Resende, que veio a ocupar, mais tarde, as funções de Ministro dos Transportes, Ministro da Fazenda, Senador. Faleceu em 2011. Era um sujeito inteligentíssimo.
Muito bem. Era o ano de 1966. Cursava o 1º ano Clássico, no Colégio Municipal de Belo Horizonte. O curso Clássico equivalia ao Científico.
Acho que não devo entrar em detalhes com relação ao que ocorria comigo no Departamento. Era uma rotina diária, que, acredito, sem muitas novidades. No entanto, gostaria de registrar que, pelo fato de estar já fazendo o segundo grau, ser esforçado e demonstrar facilidade para realizar as tarefas que me eram atribuídas, praticamente, meu trabalho não estava de acordo com as funções de Contínuo. Sabia datilografia, sabia redigir bem e acabei sendo aproveitado, recebendo muitos elogios, ao realizar, durante muito tempo, serviços burocráticos do Departamento.
Chega o ano de 1969. Já havia três anos que estava no DER-MG. Fiz o vestibular para o Curso de Letras, na UFMG, sendo aprovado. Com 19 anos de idade, fazendo o 1º ano do curso, comecei a lecionar Língua Portuguesa e Língua Francesa, no Colégio Desembargador Barcelos, no Bairro Concórdia. Contínuo do DER-MG, usava uniforme exigido pelo Departamento. No entanto, já exercia as atividades de professor. O fato de ser Contínuo, hoje, função conhecida como “office-boy”, não me aborrecia. Só queria ganhar mais um pouco. Precisava dar um tempo, uma vez que, tão logo surgisse um concurso interno no Departamento, poderia fazê-lo e ser promovido. Demorou. Terminei o meu Curso de Letras em 1972.