Ducha de chuteiras?
Impensável alhures, em Pitangui, foi possível, factível e visível. E se chegou a fazer algum sucesso, nem tenho condições de afirmar. O que não sei de Ducha é o nome de pia. Mas Ducha era de boa valia, o conhecido de toda a freguesia.
Vi-o uma única vez em foto preto-e-branca, pose esportiva, de 1947, alinhado com os companheiros do Oito de Maio Futebol Clube, que era uma homenagem à data que marcava o fim da Segunda Guerra Mundial, em 45. No ocidente, pois no oriente, ela ainda seguiu encaniçada e só terminaria com o episódio ainda mais chocante da devastação dupla de Hiroshima e Nagasaki por bombas atômicas americanas. Caídas do céu. Para provocarem o inferno na terra.
O que mais sei de Ducha é que era Franco. No nome e nas atitudes. Pela pose sua no time do Oito de Maio, que viria a virar Pitangui Esporte Clube anos depois, Ducha era defensor, pois está de pé na foto, porquanto a moçada do ataque costumeiramente posa agachada, à frente.
E infelizmente, pode-se apenas deduzir, que Ducha estivesse de chuteiras. Os cabelos penteados para trás, a testa larga, no entanto não deixam margem a dúvidas, é ele sim.
E justamente o mesmo Ducha que vim a conhecer, em 58 ou 59, quando papai, guiando-nos à sua sapataria, encomendou-lhe um par de sapatos. O Ducha, que havia dado no couro nos seus tempos de praticante do futebol, entraga agora de sola no fabrico dos calçados.
Precisava manter a família, que a cada dois anos se estendia. Dois de seus filhos foram meus colegas no primário, João Batista e Francisca, calçados pelo pai.
Ouvi e me interessei por expressões como contraforte, cabedal e atacador enquanto papai fazia sua encomenda. Ao longo dos anos, só consigo definir bem hoje o que é o atacador. E quem já nem mais uso. Sapato pra mim, por razão prática, há de ser mocassim.
E dias depois saíram os sapatos conforme a encomenda. Não chegavam a impressionar muito diante dos que o Nicolau Nazar exibia em sua loja, ali na subidinha da rua do Pilar, um quarteirão adiante. Mas eram mais em conta no preço.
E no entanto e no entretanto, Ducha jamais deixou o futebol. Se não entrava em campo, dele os olhos não tirava. E até nas idas cidades vizinhas o clube de seu coração acompanhava. Havia-se tornado Embaixador do PEC.
Foi a ele que recorri, uns poucos anos depois por um par de chuteiras. Uma Gaeta ou uma Ranieri eram só sonho.