Basta a casta pasta?

Dos cinco casamentos e quatro viuvezes de vovô, o seleiro curvelano Velusiano Justiniano de Miranda, o segundo e o quarto interromperam-se na esterilidade, porquanto o primeiro, o terceiro e o quinto, geraram, respectivamente, um, quatro e sete rebentos, que chegaram à vida adulta. Uma dúzia, portanto, de Salustiano ao Luiz. José, o Zé Velu, e seu irmão Francisco, mais ousados, cansaram-se da infrutítfera garimpagem, e embarcaram para São Paulo, a busca de trabalho, justamente nos anos de expansão acelerada da economia bandeirante.

Enquanto Chico perseverou, o Zé, embora deslumbrado com as luzes da cidade, foi do Brumado que teve saudade. E retornou, sem muita vocação para pegar no pesado. Daí quase não mais largou seu violão e seu maço de Douradinhos, companheiros que pelo resto da vida carregou, nem sempre seguro daquelas amizades, no entanto, donas e mandonas de suas vontades.

Para sobreviver, valeu-se dos ensinamentos do pai, dando no couro com o apoio da sovela e da agulha. E bonitão que era, caiu na farra, na quimera. Nem se deu à (a)ventura do casamento certo que andava que valia gozar - a vida - a todo momento. E, dum modesto hotel, fez seu ninho, seu favo de mel.

No ano de 57, pelo natal, regalou-me com algo inesperado: uma pasta de couro, preta, três compartimentos e até um bolsinho adicional para a guarda dos petrechos mais delicados. Enchi-me de orgulho daquela recém-nascida, que me acompanharia por sete anos até a terceira série do ginásio. Bem-acabada, era minha Prada, que costumava encantar quase toda a gurizada, onde muitos se garantiam nos capangões de pano de saco de farinha de trigo que zelosamente suas mães transformavam.

Faltava-me o estojo de madeira, daqueles cuja tampa se deslizava bonito pelas gretas, mas pouco me incomodava aquela carência. Praticamente não tinha com encher aquela caixinha que na verdade parecia mais uma coisa de meninas. O que me perturbou, no entanto, foi exibir-me com aquela pasta ministerial, e andar de pés no chão, num periodo curto, conquanto, quando a economia doméstica caiu em bruta recessão, onde a prioridade era o arroz com o feijão. E uns meses de aflição, receberam correção quando justamente tia Conceição, trouxe-nos sapatos em bom estado, do primo Zenrique, que havia espichado. Mano Beu e eu, fomos beneficiários diretos daquela filantropia.

Já há muito deixei os bancos escolares e a regência de classe e a pasta que passei a usar, nas últimas décadas de vida profissional tomou um formato diferente exibindo até fechadura com segredo. Mas me cansei desse papelório e canetório obsoleto. O que não passa para a cabeça é peso morto.

Agora, se o Temer me oferecer uma pasta, como fez ao Meireles, ao Serra, recuso dilma vez. Prefiro a que o tio Zé uma vez me fez.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 13/05/2016
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