Trejatória de José Paes

Luiz Carlos Pais

Esta biografia didática foi escrita para contar parte da trajetória de vida do meu pai, o poeta e sapateiro José Paes. Ele nasceu no dia 11 de março de 1922, na cidade mineira de Jacuí e faleceu às vésperas de completar 90 anos, em São Sebastião do Paraíso. Seu pai chamava-se Herculano Paes e sua mãe, Margarida Maria de Jesus. Ainda na primeira infância, a família fixou residência em Paraíso, também no sul de Minas e bem próximo de Jacuí. Começou a aprender a profissão de sapateiro, quando estava com 10 anos, trabalhando na oficina do senhor Lucas Bertucca, um emigrante italiano, pai do ilustre artista plástico paraisense Lucas Bertucca Filho. Recentemente, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o ilustre artista, restaurador de órgãos e peças barrocas de igrejas centenárias do Brasil e de outros países. Esse encontro ocorreu na Academia Paraisense de Cultura, na noite do dia 17 de dezembro de 2015, quando tive a oportunidade de lançar o livro, de minha autoria, História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 – 1964). Nessa oportunidade, o Lucas Bertucca Filho relembrou cenas distantes da juventude do meu pai, quando ele estava começando a escrever seus primeiros sonetos. Na mesma reunião, para homenagear a memória do meu saudoso pai, fiz a leitura de um dos tantos sonetos.

Meu pai foi alfabetizado aos 14 anos, em aulas noturnas ministradas pelo professor Antônio Roque Martins. Foi esse mestre que lhe ensinou o prazer da leitura e a arte de escrever poesias. Começou a publicar sonetos na imprensa da cidade, por volta de 1940 e preservou essa prática por várias décadas. Em 1949, casou-se com Terezinha Lizarelli Paes, com quem teve sete filhos: Joster Mara Paes, Marene Lizarelli Paes, Margarida Fernanda Paes, José Vicente Herculano Paes, Evandro Lizarelli Paes, Adriano Lizarelli, meus irmãos. José Paes trabalhou como sapateiro, mantendo oficina de conserto de calçados estabelecida à Rua Pimenta de Pádua, em frente à antiga Padaria Central, propriedade da Família Dramis. Foi nesse local que trabalhei com ele durante dez anos, quando conheci de perto vários de seus companheiros de ideologia comunista e seus tantos amigos literatos que frequentavam a Sapataria para mostrar suas poesias. Eles também recitavam suas próprias produções e gostavam de mostrar textos poéticos de outros autores. Era um ambiente estimulante do ponto de vista cultural, ideológico, onde aprendi muita coisa. Meu pai ganhou um concurso nacional de poesias, promovido pela Casa do Poeta Lampião de Gás, de São Paulo, instituição a qual pertenceu durante anos. Foi também membro fundador da Academia Paraisense de Cultura e, ao faleceu em 2011, deixou gavetas repletas de sonetos, como os que estão transcritos abaixo para rememorar e divulgar sua obra poética.

A Primavera

No reino vegetal quase tudo se apruma,
das plantas colossais até às pequeninas,
dos prados em verdor às múltiplas campinas,
mas é nesta sazão que enflora e se perfuma.

As plantas reparei, poetas, uma a uma,
e vede como em flor se encontram mais divinas
ostentando, sutis, cores e essências finas,
num quadro natural e de pureza suma!

Por que a natureza encanta mais agora,
o reino vegetal quase todo se enflora
e a beleza maior mais se expõe e exubera?

Bem sei que vós direis, ó amantes de musa,
que esta cena se dá, tão vívida e profunda,
porque feliz chegou a diva primavera!

Às Mães

Olhai bem cedo as flores tão divinas
Dos viçosos jardins de nossos lares;
Tomai das águas puras, cristalinas,
Que eternamente rolam para os mares.

Fitai as flamas quase alabastrinas
Das velas entre lírios nos altares;
Com as nobres faculdades femininas
Sondai em suma todos os lugares!

E se o fizerdes vós atentamente,
Haveis de ver que não existe nada
que tanta perfeição vos apresente,

Quanto o amor vindo do materno seio:
Ele é a virtude excelsa, mais sagrada,
Que tende vós, ó mães que homenageio!


Campo Grande, MS, 22 de Janeiro de 2016