NINA COSTA por Nina Costa - parte 1

Andei às voltas de mim, rondando-me, vasculhando-me procurando por meu ser, querendo conhecer melhor os meandros de minha psique, de meu inconsciente quase ignóbil. E em meu eu, quase intuitivamente, comecei a escrever minha pseudo autobiografia, como que a psicografar meus velhos 'eus' perdidos no quase esquecimento dentro de mim, revivendo sensações, emoções, experiências vividas, outras apenas pressentidas o íntimo do existir, outras meramente fantasiadas pela necessidade de criar mundos dentro dos labirintos de minha imaginação, onde pudesse descansar a alma, quando esta, fatigada, precisasse de repouso ou de esconderijo...

Passeei pela saudade e descortinei meu passado. Neste fazer, fui resgatando da memória cenas da minha infância, de tempos idos de minha existência que não voltam mais, a não ser nos desvãos de minha lembrança distorcida em flash's de memória como cenas em slides.

Então, pretensiosamente, decidi, preciso mostrar-me sem a pele de cordeiro, e sem o disfarce de lobo mau. Vou "falar" de mim, como sou, como muitos sequer conhecem ou conhecem muito bem (melhor até que eu mesma). Porém, o que vou fazer não é, necessariamente, para que você, ao ler (quando e se ler), venha então me conhecer, saber de mim; mas para um auto conhecimento, um encontro de soslaio comigo mesma, pois de certa forma, ainda tenho algum receio de me olhar direto nos olhos e acabar como Narciso, morrendo de amores por mim.

Assim, tal qual Teseu desfiando o fio de ouro de Ariadna, começo pelo início de tudo, isto é, pelo dia em que fui gerada. Sim, eu sou fruto do prazer sexual de papai e de mamãe, e confesso que imaginar meus pais transando, por muito tempo, chocou-me profundamente. Os pais deveriam ser santos consagrados em um altar, e sendo santos, livres das paixões e prazeres carnais, não deveriam transar, ou como os mais românticos dizem, fazer amor...

Meu pai, João Rita da Costa e minha mãe, Irene dos Santos Costa. Ele era um negro forte, sacudido, que a vida fez calejado, trabalhador e bom pai de família que lutou com afinco para sustentar esposa e doze filhos (dentre os quais, sou a caçulinha intrometida); ela, uma morena baixinha, formosa e de feições simples, mulher calada que trazia em seu silêncio a sabedoria de sua genealogia, uma esposa e mãe exemplar, que, ao lado de papai, passou por muitas lutas e dificuldades, porém, jamais desistiu ou esmoreceu, era uma perfeita "mulher de Atenas".

Eu sou a filha dessa mulher de Atenas, nascida em Mimoso do Sul, e quando eu vim a existência no sagrado ventre de mamãe, esta achou que o sumiço de suas 'regras' era menopausa, pois já era entrada em anos e papai, vinte anos mais velho que ela, mas "ainda dava no couro", como diziam os mais velhos, e nós mais novos, fingíamos não entender (muitas das vezes não entendíamos mesmo).

Eu, Irene Cristina dos Santos Costa, brasileira, pseudônimo no mundo das letras, Nina Costa ('Nina', redução de 'menina', carinhoso apelido de infância, 'Costa', sobrenome herdado do pai), desabrochei de uma necessidade urgente de explicações, do desejo curioso de saber sempre mais e mais... Fui assim, uma menina curiosa, filha de pais já idosos, denominada entre os meus de "retardatária", por ter sido a última a nascer naquela grande família (quando já nem mais era esperada, segundo mamãe)

Eu, Nina, em minha ingenuidade, não sabia o real significado da palavra 'retardatária', porém tinha uma vaga ideia, reforçada pelos problemas de doença na família (achava que era retardada, pois havia, tanto na genealogia paterna como materna, pessoas com problemas mentais: um primo do pai de nome Naziro e um sobrinho da mãe chamado Joacyr) e diante de toda essa cruel dúvida, perguntava aos familiares, porém sem nunca obter resposta.

Mas uma luz se abre em meio às dúvidas existenciais que me rondavam, minha irmã normalista (Madalena dos Santos Costa) como parte de sua formação, teria que alfabetizar alguém e fez de mim, a irmãzinha mais nova, sua aprendiz, fui, portanto sua primeira aluna. E assim, aos seis anos de vida, já alfabetizada e sabendo reconhecer números e fazer cálculos simples, ingressei na primeira série do Primeiro Grau na Escola Estadual de Primeiro Grau "Pedro José Vieira", aluna da inesquecível Tia Eubéia.

A menina sempre curiosa que era eu, ainda não sabendo o que significava a palavra "retardatária", descobriu um livro mágico, no qual todas as palavras ganhavam sentido: o DICIONÁRIO. Havia em casa uma coleção com quatro volumes, três dicionários comuns e um dicionário geográfico. Neles encontrei possibilidades de resposta para minhas indagações, li avidamente, devorei cada uma daquelas palavras e seus verbetes como quem experimentasse da ambrosia do Olimpo, o manjar dos deuses. As palavras buscavam novas palavras, dançavam, brincavam, sorriam, vibravam,... Era fantástico.

Não entendia muitas das coisas que lia ali no dicionário, mas encantava-me pela leitura. Ainda não compreendia o que era ser retardatária, tendo ainda a convicção de que era sinônimo de retardada, descobri que quem não desenvolve a loucura até seus sete anos de idade, ainda que propensa a isto, não mais desenvolveria, e que se realmente tivesse a propensão, poderia acontecer na senilidade, e, pensava eu: 'quando eu estiver velha, se enlouquecer, será problema de quem cuidar de mim, pois já terei vivido tudo e não me será um peso a loucura',...

Dos dicionários passei a ler os livrinhos que Tia Eubéia nos levava em suas aulas, Era gostoso viajar por aquelas historinhas infantis, poesias. Lembro-me de um poema de Manuel Bandeira, do meu livro da quarta série, que eu tinha certeza que o autor fizera para mim:

"Irene no Céu

Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença."

Tornei-me muito cedo uma leitora compulsiva, lendo tudo, exatamente tudo o que estava ao alcance de meus olhos: receitas culinárias dos cadernos e livros de minhas irmãs, bulas de remédios que minha mãe religiosamente tomava por causa da hipertensão, revistas de foto novelas e livros de romance da 'Julia' e/ou 'Sabrina', ainda, livros de enfermagem das irmãs (Madalena abandonou o magistério e dedicou-se à enfermagem, e Rita, outra irmã, também enfermeira), as revistas pornográficas e kamassutra dos irmãos (às escondidas, é claro), a Bíblia Sagrada que me fora um presente de mamãe, poemas e sonetos de Olavo Bilac, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Cecília Meireles, Camões, Fernando Pessoa, Goethe,... e com esses maravilhosos seres aprendi que as palavras brincando entre si, podem inventar POESIA. Encantei-me pela gramática e pela literatura. Descobri que a "última flor do lácio, inculta é bela" é fascinante.

Aos onze anos, então em outra escola, EEEFM "Monsenhor Elias Tomasi", tendo como professora, de Língua Portuguesa, Dona Aylce, aprofundei-me na leitura de grandes clássicos da Literatura Brasileira e Universal e a poesia se apossou de mim, já possuía caderninho onde registrava minhas primeiras experiências poéticas. Na quinta série ginasial, capacidade relativa das palavras em suas relações com profundidade real a Língua Portuguesa dentro dos encantos sintáticos e morfológicos, semânticos e fonológicos da língua máter, fez nascer em mim o desejo tornar-me Professora, alí nos estudos de gramática e de literatura, nascia a futura profissional da Educação há 22 anos em exercício dentro do Município em que nascera.

No período dos estudos ginasiais e Magistério (Escola Normal) conheci e me apaixonei por José de Alencar, por Aluísio de Azevedo, por Machado de Assis, por Clarisse Lispéctor, por Érico Veríssimo, por Fernando Sabino, por Victor Hugo, por Da Vinci, por Homero e sua Odisseia e Ilíada, por Augusto dos Anjos, por Neruda,...

Amei profundamente todos os filósofos, mergulhou no mundo de Freud e me apaixonei por Yung, vivenciei a teoria de Kant, enlouqueci com Friedrich Nietzsche. Vivi amor platônico com Platão e indaguei Sócrates em sua maiêutica... Enfim,...a menina que eu era tornara-se uma devoradora de livros, uma "ratinha" de biblioteca, porque em casa não havia livros suficientes para minha fome.

Aos 14 anos comecei a escrever um romance cuja história se passava em minha cidade, em minha rua, um romance quase autobiográfico. Ainda mantinha meu caderninho de poemas e redações, mas numa dessas faxinas que as mães fazem em casa, livros e cadernos velhos foram para o lixo e não só os primeiros poemas como o romance se perderam. Desse tempo, apenas um texto ficou, um poema patriótico inspirado em sonetos de Olavo Bilac, de Casimiro de Abreu e de Fernando Pessoa, que havia ficado com a professora. Triste pela perda, e vivenciando desilusões e traumas internos próprios da alma dos poetas, parei de escrever, deixei de lado por achar que não tinha talento para a coisa. Em 1999 voltei a escrever e meu primeiro texto dessa nova fase é "Alquimia".

ALQUIMIA

Um dia.

Um alquimista do Universo,

Retirou de seus guardados mágicos,

dois frascos distintos e esplendorosos,

contendo cada qual a essência pura

de duas substâncias genuínas:

Num, a síntese do amor inocente;

Noutro, o estrato da paixão ardente

Uniu os dois num frasco ainda maior

e deixou fluir o resultado de sua alquimia

Saíram resplandecendo dois corpos transcendentes

a voar pelo Universo

a semear Magia, Amor, Sonhos, Desejos, Fantasias...

O alquimista enciumado

de suas criaturas possuírem também o poder da criação

separou os dois eternamente

pondo entre eles o abismo do Pudor e da Moralidade

Mesmo assim, vez em quanto eles se encontram

no espaço de um furtivo olhar

e inventam a Dor e a Saudade...

Passei a escrever mais frequentemente depois que mostrei aos colegas de trabalho e estes disseram-me serem bons. Participei de um concurso de poesias porém não pode concorrer pelo fato de ser então professora, portanto fiquei apenas como colaboradora e não como competidora. A poesia com a qual concorri é uma releitura do quadro "Trigais" de Van Gogh, e tem o título "Corvo no milharal", esse poema ficou com o jurado e poeta amigo Willian Minassa Junior, sendo que ela não possui cópia, apenas uma vaga lembrança do início dele:

"O corvo vagueia na curva do vento

Afia suas garras no meu pensamento

E voa e voa e voa e voa

E voa à toa bem dentro de mim

[...]"

Em dezembro de 2010 comecei a postar meus textos no site denominado Recanto das Letras. Participei de duas antologias de autores nacionais, uma com poesias e outra com crônicas. Atualmente sonho em lançar meu livro solo. Ler e escrever é, para essa menina retardatária que cresceu tornou NINA COSTA, uma necessidade, tanto quanto dormir, comer, respirar, amar...

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 09/10/2015
Reeditado em 20/10/2015
Código do texto: T5409639
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