Diário de uma menina adotada

Julliete vibrara diante daquele casal que viera buscá-la. "Enfim, terei pais a quem amar...que me amarão. Uma casa, irmãos, amigos, um cão!". Era pura alegria, a menina que contava apenas 8 anos de idade.

Lembrara de ver nas feições daquela mulher uma dor contida. Nas feições do homem, um olhar estranho cujos sentimentos não soubera decifrar, à época.

Em casa, não recebera um cãozinho. Não recebera os irmãos. Não recebera um abraço daquele homem. Somente o aconchego da mulher que, dali por diante, seria sua mãe.

Julliete, sempre sozinha, acostumara-se a ouvir, todos as noites, um choro abafado de sua mãe. Não conseguia entender o porquê. A porta do quarto deles encontravam-se fechada, nesses momentos.

Julliete e sua mãe sorriam quando estavam a sós. Porém, bastava que o homem que a adotara chegasse para que os sorrisos cessassem. Passara a ter medo dele. Começara a entender porque sua mãe chorava quase todas as noites, orando pela casa, vestindo uma camisola longa, preta.

Julliete a seguia sem que ela o soubesse.

Sua mãe não era tão doce quanto ela havia sonhado, mas estava sempre ao seu lado. Sempre com aquele olhar triste...distante.

Aquele homem, por quem a mãe de Julliete parecia ser apaixonada, era ríspido, bruto, alcoólatra. Não conversava. Apenas ordenava. Julliete não se lembra de momento algum onde tenha sido abraçada por ele. Onde tenha recebido um apoio ou uma palavra amiga dele.

Lembrava-se sempre de ouvir: "Você não tem futuro, menina!".

O tempo passara e Julliete crescera, vendo sua mãe definhar aos pés daquele homem que nunca a amara. Sua mãe sabia dos deslizes daquele homem e, ainda assim, continuava ao seu lado. Julliete não compreendia como o amor poderia ser assim.

Jurara jamais amar alguém a fim de evitar o sofrimento pelo qual sua mãe passara por todos os anos em que aqui estivera.

Apesar da idade avançada, aquele homem não aprendia a viver...a respeitar a Lei da Vida que nos ensina a fazer ao próximo somente o que gostaríamos de receber.

Ele já não mais escondia seus impulsos lascivos, repulsivos. Passara a beber com mais frequência e a tratar Julliete e sua mãe com maior desprezo e raiva.

Julliete adorava estudar. Vibrara quando conseguira uma vaga em uma universidade federal, mas fora impedida de estudar porque - aos olhos sujos daquele homem - ela passaria a ter um comportamento reprovável.

Julliete perdera a primeira de muitas chances que lhe foram oferecidas por conta dos pensamentos podres, sórdidos, fétidos daquele homem.

"Você poderia ser garota de programa. Isso dá dinheiro, sabia!?". Julliete ouvira isso ser vomitado da boca daquele homem repugnante que pensava que todos se igualavam a ele, moralmente.

Que pai falaria isso a uma filha se a amasse realmente? Julliete, em silêncio, repetira o ritual que sua mãe lhe ensinara, ainda que sem querer: chorava, orando ao Pai que algo de bom acontecesse.

Após anos de sofrimento - e envelhecimento precoce - sua mãezinha adoecera de tristeza que afetara seu corpo, já esquálido, quase sem vida.

Aquele homem sugara a vida de sua mãe, sua única companheira, ao esfregar-lhe no rosto suas amantes tão nocivas quanto ele.

Quando Julliete tentava intervir para que isso não mais acontecesse, sentia o peso da mão daquele homem em seu rosto.

Adoecera por ter de pedir à Julliete que o trouxesse de volta a casa, buscando-o em bares onde o odor de álcool e urina se misturavam ao ar que respirava. Lembrava-se de ver os olhares daqueles homens, bêbados, ao seu redor e do nojo que aquilo lhe causava.

Julliete vira sua mãe partir, consumida pela paixão que tivera por aquele homem, tentando manter um sorriso em seu rostinho magro, cadavérico. Em pensamento, Julliete sabia-o culpado por isso. Considerava-o um assassino inconsciente.

Julliete sentia mais dó do que qualquer outro sentimento negativo por aquele homem que jamais soubera ser o que - aos 8 anos de idade - pensara ter encontrado: um Pai.

Julliete, hoje, voltara a ser órfã. Caminha sozinha, tentando mostrar ao seu filho que um dia ele terá um exemplo de um bom pai a seguir.

"Um dia tu serás o pai que eu jamais tivera. Que jamais encontrara para te mostrar, filho".

09/08/2015 - 13h31m

Lilla Lacerda
Enviado por Lilla Lacerda em 27/08/2015
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