O maior dos porteiros

Messias foi o maior dos porteiros. Mais de um e oitenta de altura, aquelas mandíbulas largas e decididas, os cabelos aneladinhos cortados bem rente. Um porte digno - ou dingo? - de um Adhemar de Barros. Com a diferença de que só fazia, não arroubava. E com que gosto e determinação: vigiava, indiciava - e punia. Estívessemos na França da liberté, fraternité e égalité, não haveria pescoço que lhe resistisse à sanha diabólica de fazê-lo bem: guillotiner!

Perto dele, os demais porteiros do ginásio, Basílio, Sambém e algum outro que por lá aparecesse, nada contavam. E tremiam também como toda a rapaziada ginasiana, dos mais pequerruchos aos já bem granduchos. Ato de indisciplina pego ou suspeitado pelo Messias, Missia Calu, como a gente o conhecia era punição severa, é certa como a lâmina du'a navalha aberta.

E nada parecia atemorizá-lo, ou ao menos obter dele uma sursis, um abrandamento da pena. E tampouco os filhinhos de papai tinham refresco. Messias pegou, se ferrou. As punições iam da advertência à suspensão, ou mais - e sempre pronto e capaz, tava o capataz.

Mesmo nos momentos de maior relaxamento - durante o recreio - sentado nos degraus da escada em seu invariável terno de brim cáqui amarelado, o Messias abria o Diário Oficial do Estado de Minas Gerais e percorria aquelas letrinhas miudinhas - sem fotos ou gravuras - das nomeações intermináveis, que retratavam talvez de forma mais cristalina o que os governos mineiros andavam fazendo. Sem arroubos.

Mas a concentração era aparente: qualquer deslize ou passo falso no pátio do recreio, eis o Calu, a intervir. Advertir e ou punir.

A rapaziada contudo não chegava a guardar ódio daquele homenzarrão, quase homônimo da punição. Pois, passadas as agruras ginasianas e a revoada para a capital ou outras cidades grandes para continuarem os estudos, a mesma rapaziada, agora já de bigodes e namoradas, era toda cortesia - no que o Missia retribuía, já mais grisalho, mas sempre vigilante, na entrada de um clube noturno, uma boite. E que ninguém se afoite...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 02/07/2015
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