O gênio do Eugênio

Não era só a cara de artista que tinha o Jésus do Eugênio - eram dele também a arte de traço no papel e a sensação de que nascera para ser contemplado.

Todos eram acordes de que, pelo rosto, o homem parecia ter saído das telas. Em cinemascope colorido. Olhos verdeazulados, os cabelos bastos dum castanho aloirado, bem repartidos, queixo bem feito em boa proporção com o nariz, que mais precisava pra ser feliz?

E no entanto, vivia de déu em déu, o bom Jésus. Se falava - o que fazia economicamente - era percebido como se estivesse falando inglês, como os artistas da tela, sem ao menos legenda nela: ninguém entendia patavina. E a voz, vai ver que pelo inglês, definitivamente não se confundia com a de um John Wayne.

Trabalho estável, nunca foi de ter. Não era das coisas repetitivas e pouca a sua habilidade de concentração. Apesar de desenhar bem. Mas quem vive de desenhos também vive de desdéns. Pelos vinténs.

Seu gosto eram as ocupações eventuais, oportunas, como ajudar numa mudança, por exemplo, como foi o caso da nossa. Botava um guarda-louças nas costas e se arqueando, ia subindo escada, negociando portas, corredores. E se sentia como superman, aplaudido com o feito, o centro das atenções de sua prestatividade.

Depois, ainda esnobava uma gorjeta. Pegava um prato de comida, sim, mas não quis saber daquela cédula incrédula, vérdula, de Dom Pedro II que papai insistia em oferecer-lhe. Um pouco do calor da companhia - e da serventia - era o que queria. Fosse trabalhar a cobrar, cobraria muito mais.

Numa de suas memoráveis apresentações em shows de barraquinhas e quermesses da periferia, tentou o Jésus ingerir quarenta ovos. Crus! Ou cruz? A verdade é que parou na dúzia e meia, desacordado - e todo babado. Mas nunca desafiado.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/06/2015
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