ANTÔNIO TAVERNARD: O PÁSSARO DOENTE

Antônio Nazaré Frazão Tavernard, poeta, contista, cronista e romancista paraense (Vila São João de Pinheiro, atual Icoaraci 1908 – Belém 1936) caracterizou sua obra pelo sofrimento que a doença o causou parte de sua vida. Tanto a morte quanto os sentimentos melancólicos refletiam radicalmente em seus versos. Sua notoriedade foi conquistada graças a publicação de seus trabalhos em jornais de seu tempo. A poesia de Tavernard passeia por vários movimentos literários – do barroco ao modernismo, passando pelo romantismo e pelo simbolismo. Enfim, um poeta diverso que fez da Amazônia o seu escritório particular. Certa vez escreveu: “Amazônia proteiforme, medonha é um estúdio de assombro singular; nela sente-se, à noite, Deus a trabalhar”. Tavernard tem, ao todo, três livros, dois deles publicados após a sua morte. A narrativa de Antônio Tavernard foi comparada à do poeta, contista, romancista, dramaturgo e ensaísta fluminense Machado de Assis (Rio de Janeiro 1839 - Idem 1908), ao que respondeu com toda a sua modéstia: “com uma diferença: menos talento e mais sofrimento”. Foi um dos redatores da revista “A Semana” que circulou em Belém na década de 1930. Faleceu vítima da hanseníase, incurável nos tempos do poeta. Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Tavernard.

SONHOS DE SOL

“Nesta manhã tão clara é sacrilégio

o se pensar na morte. No entanto

é no que penso úmidos de pranto

os meus olhos cansados.

Sortilégio

de luz pela cidade... As casas todas,

humildes e branquinhas

lembram gráceis e tímidas mocinhas

no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,

risonha, rosicler,

não é morrer... é adormecer ainda

na doce tepidez de um seio de mulher!

Não é morrer... é só fechar os olhos

Para melhor sentir o cheiro do jasmim

Escondido da renda nos refolhos!...

Ah! Quem me dera que eu morresse assim.

VISITA DE SANTO

Meu S. João,

na noite do vosso dia,

com fogueiras brilhando de alegria,

com alegras cantando num rojão,

parai um pouco na melancolia

do meu portão!

Ponde aqui o cordeirinho!...

Sentai no banco a meu lado!...

Tanta estrela no céu, e eu tão sozinho!...

Na terra, tantos sons, e eu tão calado!...

Meu santo bom, por outra noite vossa,

igual a esta (que lembrá-la possa

durante a vida que viver eu vou!...),

mandei-vos, num balão, um sonho lindo

que foi subindo,

foi subindo,

foi subindo,

té que, muito no alto, se queimou...

Mal de muitos?... Eu sei...

Mas também sei

que nunca mais outro balão soltei.

Nunca mais, nunca mais...

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Que brisa fria!...

Lá vem o sol como balão dourado!

Levantai-vos, partis?!... Muito obrigado!

DEUS vos pague no céu, meu S. João,

esta parada na melancolia

do meu portão!...

ÚLTIMA CARTA

"Sobre o leito de morte do poeta, foi

encontrado esse papel cheio de letras

trêmulas e manchado de lágrimas".

Por que não me vens ver? Estou doente...

É possível que morra com o luar...

Anda, lá fora, um vento, tristemente,

as ilusões das rosas a esfolhar.

E, aqui dentro, na alcova penumbrada,

onde arquejo, sozinho, sem sequer

a invisível presença abençoada

de um pensamento meigo de mulher,

há o desconsolo imenso, a imensa dor

de alguém que vai morrer sem seu amor...

De quando em quando,

o coração, que sinto

cada vez mais cansado, se arrastando,

marcando o tempo, recontando as horas,

pergunta-me, num sopro quase extinto,

quando é que virás...

Volta depressa, sim?... Se te demoras,

já não me encontrarás...

Ouço, longe, a gemer de harpas eólias...

É de febre... Começo a delirar...

Desabrocham, no parque, as magnólias...

Vem surgindo o luar...

E, como a luz do luar que vem nascendo,

eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...

Enzo Carlo Barrocco
Enviado por Enzo Carlo Barrocco em 22/09/2005
Reeditado em 19/04/2007
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