Dona Maria da Vila Mangalot
ona Maria não sabia ler. Não conhecia nenhuma palavra, nem o próprio nome. Ignorante, analfabeta, inculta? Não. Pessoa maravilhosa e abençoada por Deus com dons e talentos singulares!
Eu não a conheci com rosto diferente do último que vi. Cheio de rugas de quem lutou a vida toda, mas com sorriso lindo, carismática e cheia de alegria. Beleza interior na alma, beleza exterior com a doçura de uma meiga velhinha.
Era benzedeira e não curava só com a oração, pois com sabedoria manuseava plantas medicinais, cultivadas no próprio jardim, junto às rosas, margaridas, cravos, copo de leite e outras flores que davam cor ao cenário, embelezado também por borboletas que tinham em São Paulo um grande jardim.
Se alguém estava doente, ela aparecia carregando suas ervas e se fosse algo mais grave também tinha o rosário e um pouco de arruda. Mineira sabida!
Pelas mãos de parteira ajudou inúmeras mães, que apesar de morarem na cidade de São Paulo, em plena década de 60, ainda tinham os filhos em casa.
Lógico que a ciência nega, muitos duvidam. Mas se dizem que olho gordo e inveja matam porque não acreditar que o bem gera coisas positivas. Ela nunca cobrou ou recebeu nenhuma moeda pelo que fez. Aliás, em apenas uma passagem ela salvou uma vida, mas com uma moeda na mão.
Foi no dia que uma criança, seu neto, com cerca de quatro anos, engasgou com uma moeda de 10 centavos de cruzeiro infantilmente inserida na boca. Estava sufocada pelo obstáculo de metal na garganta. Eis que aparece a Dona Maria, que consegue tirar o metal com a ponta dos dedos.
Hoje adulto, relembra esta passagem que nunca saiu da sua mente. A avó não estava perto, mas feito um anjo apareceu na hora certa. Conseguiu fazer daquele instante um milagre. Não houve manchete em jornal, nem apareceu na TV, mas uma vida foi salva. Uma vida que um dia ela mesma ajudou a nascer.
Outra memória de infância, esperando, escondido das demais crianças, um único chocolate que ela trazia. Não há como se esquecer do primeiro chocolate branco degustado, daqueles que vinham com um pedaço de papel largo, quase uma cartolina, dentro da embalagem. Não há como se esquecer de uma avó assim!
Era o símbolo de união da família, o elo que fazia todos se juntarem para o Natal, no Ano Novo ou a cada visita regada a um simples café e a uma conversa boa.
Inesquecíveis o biscoito de polvilho feito no forno de lenha, o cheiro do bolo de fubá e a batata frita pré-cozida e com fatias generosas.
Ninguém é só virtude quando passa por esta terra, mas uma pessoa como a Dona Maria fica encantada quando morre, pois o que fica em nossa mente são as qualidades, por ser simples, cativante, generosa e carismática. Percebemos então, que pequenos defeitos são apenas traços reduzidos de nossa humanidade.
Hoje eu tenho 50 anos. Nasci em 1964, pelas mãos da Dona Maria, minha querida avó, que um dia me salvou daquela moeda entalada na garganta. Ela se foi em 1994 e vivi 30 anos com ela. Não sei se aproveitei o suficiente! O tempo foi pouco! Mas, espero revê-la um dia!
Que mais pessoas deixem um legado de amor como a Dona Maria deixou nas vidas de muitas pessoas!
Não conheci nenhum personagem tão rico como a Dona Maria, analfabeta, mas sábia. E isto não é nenhuma tentativa de tirar o brilho da educação e da cultura, que todos devemos buscar. Apenas uma ênfase na importância de não perdermos a essência da nossa humanidade, que parece mais comum em pessoas simples, sejam ricas ou pobres.