Reflexões Otarianas
Reflexões Otarianas
Acabo de voltar do segundo e último dia do Seminário Internacional Cultura da Violência Contra a Mulher.
Além de estar muuuiiiiitttooo organizado, o tema como foi abordado, motivou as centenas de participantes. Repare o artigo feminino! A participação foi maciçamente feminina, superior a 98 %. Tanto que os banheiros do SENAC foram redirecionados para o público majoritário. Se contavam nos dedos os seres do sexo masculino presentes. Se as duas mãos não forem suficientes, não chega a gastar um pé.
A abordagem cultural foi uma forma excelente de se discutir o problema que é real e muito mais frequente do que se supõe. Em dois painéis se buscou um caráter fundante no problema e com muita frequência os perpetradores da violência reproduziam a violência com que foram tratados na infância. Não sou da área, mas concordo que faz um certo sentido, de tal sorte que se torna uma reprodução de comportamentos.
Sempre refutei a hipótese genética de se desenvolver o comportamento de otário. Mas nunca identifiquei em que ponto da minha história, passei a ter tal “qualidade”. Acho que seguimos padrões não só por escolhas, mas vai lá entender!
No quesito reprodução, que comentei acima, eu deveria ser um sujeito dado a violências. Afinal, na minha infância, eu não apanhava, era espancado.
A mãe do meu irmão, que vem a ser a mesma que a minha, sempre se considerou portadora e legitimadora dos saberes. E sempre de forma inquestionável. Algo como um dogma da infalibilidade materna.
Se a crença em Papai Noel e Coelho da Páscoa (eu perdi a Fada do Dente) caíram por terra por obviedades que até uma criança percebe, o mito da ave emplumada sempre foi mantido, até além dos limites imagináveis.
Não sei se chego a ser detentor de algum recorde, mas fui até os 12 anos de idade, “treinado” para a “hipótese ornitológica”. Claro, eu ouvia hipóteses diferentes dos colegas na escola, que, de pronto, eram refutadas em casa, seguidas ladainhas embasadoras da tese da branca ave.
Na falta de algum convencimento completo, uma boa seção de espancamento, garantiam a “fé” no que me havia sido informado.
Me recordo de uma vez em que fui objetivo ao falar em uma tal “hipótese sexual” (ainda que eu nem fizesse ideia do que fosse sexo). Foi “tiro e queda” (tiro no sentido figurado pois mammy não tinha revolver em casa, mas a queda foi literal. Surra que começou com uma cinta, passando pelo chinelo, porrete (pau de macarrão) e faca!
A fé na cegonha ficou inabalada por vários meses! Acho que por isso, quando leciono Didática, começo sempre apresentando um slide de algumas palmatórias (de 3 5 furos), me referindo a elas como “instrumento pedagógico” de um longo tempo!
Mas nem por este meu histórico que permanece na pele, me tornei violento. Nem a violência simbólica de ameaçar notas, reprovações, etc. Como na cena de Galileu Galilei, de Berthold Brecht: “não o torturem, mostrem apenas os instrumentos”. E olha que no meio educacional ainda é bem comum este tipo de ameaça.
Fosse eu um “reprodutor de comportamentos” e seguramente seria amaldiçoado por gerações de discentes. Mas até onde posso perceber, mantenho uma relação pedagógica quase afetual com ex alunos.
Engraçado eu ter pensado nisso durante o evento. É que as relações de gênero são fundantes em diversas sociedades, no que a nossa não é excluída. A mulher é submetida secularmente em maior ou menor grau, com as mais diversas justificativas.
Seres humanos tendem a hierarquizar tudo. A nesta hierarquia social, os seres denominados mulheres, são frequentemente inferiorizados socialmente. E geralmente por pessoas que falam em democracia, igualdade, e tantas outras coisas que buscam encher os olhos.
Entendo que as categorias malandro e otário também são fundantes em nosso meio social. E são hierarquicamente bem definidos, de tal sorte que o malandro se assenta no topo da pirâmide social das percepções, ficando um largo estrato de otários na base.
Me recordo do saudoso Augusto Boal, com quem tive o privilégio de estar na UNE, com o seu Teatro do Oprimido, que visava desvelar as relações de opressão. É duro perceber que este cara é mais conhecido fora do Brasil.
Mas o entendimento destas relações sociais é bastante interessante. Em minha família, o ato de ensinar sempre foi considerado como algo do tipo “sub degradante”. Nunca me esqueço das palavras lapidares de minha irmã “quem sabe faz, quem não sabe, ensina”.
Esta colocação sempre pareceu definitiva em casa. Sempre brinquei com a expressão “antes uma filha puta do que professora!”. Claro, mesmo tendo sido catequizado com este credo, acabei me “afastando da fé”, engavetando um curso de engenharia na USP por um mestrado em Educação e “pra pior dos males”, tentar ensinar professores a ensinarem!
Por motivos que para mim são desconhecidos no campo da lógica, me envolvi com a Didática, talvez por acreditar que seria uma ferramenta “interessante” para se ensinar. Mas sempre com o credo de que se não houve aprendizagem, o ensino não ocorreu.
Nunca me esqueço de uma frase de Cícero: “Docere, delectare et movere” (Ensinar, seduzir e então modificar!” É bem antigo, mas acredito. Sei que parece ingenuidade, mas acredito!
Sábado passado uma aluna veio me dizer que durante a aula, ela via um anjo atrás de mim! Estava pronta a piada! “só faltava esta, um anjo me encoxando!”
Mas dispensei a brincadeira, afinal estávamos os dois professando algo em que acreditávamos.