O segredo do João
Quem visse o João numa roda de amigos e numa sessão de júri ficava na dúvida se se tratava de uma mesma e só pessoa. Aquele moço reservado, de conversa aveludada, defensivo e quase filosófico metamorfoseava-se num impetuoso e leonino defensor de seu constituinte, de seus direitos e de sua dignidade, numa voz trovejante e faiscante, que não parecia ter nada com o que se via nele ainda entrante, cabisbaixo e pensante.
Entre o lecionar e o advogar, vivia o João o seu dia a dia naquela pacata freguesia. Vira os irmãos todos se casarem e partir, o pai falecer ainda em prematura idade, de sorte que ficou ele só, a cuidar da mãe e do casarão. E assim, apesar de parecer um partidão, não se casara o João.
Moças prendadas e casadoiras na cidade quanto na vizinhança, em muitos casos filhas de abastados senhores da terra, formavam um batalhão e em muitas, certamente, por ele suspirava o coração. Mas que é de que se casava o João ? Em festejos e recepções sua presença era sempre bem-vinda e vê-lo cercado, ou ao menos ansiado pelo olhar de donzelas, virginais essas, mais maduras aquelas, era cena frequente e renitente.
Mas o moço parecia ao chamado de cupido resistente... e reticente. Seria apaixonado, sensível ao quadrado, perguntava-se a boca pequena? Alguma flecha que o envenena? Teria mais gosto pelos livros, pela poesia, pela filosofia, pelo francês?
Aqueles seus meigos olhos claros, protegidos por grossas lentes, estariam tolhendo uma alma tão sensível, que refulgia diante dos holofotes, mas fugia ao mais comezinho dos motes?
Leve, e breve, levou consigo o misteri(g)oso João, os seus segredos, seus medos, sua paixão, sua razão.