Bispando o Gil
É uma lembrança que me vem de Gil, hoje um prelado na rota de ser purpurado, e que nunca me fugiu. As tardes eram lentas e sonolentas no Seminário São José, agora instalado no antigo colégio que já lhe
levava o nome. Havíamos saído daquelas instalações severas mas quase pomposas do colégio São Geraldo, no alto da rua Goiás, para esta outra ponta da cidade, já mais baixa,no finzinho da Primeiro de Junho. Ainda assim, no miolo dessa espalhada Divinópolis das Gerais.
Esse tempo todo para introduzir a introdução e a tarde continua lenta, abafada e o ânimo para estudar, fazer uma leitura, ou uma prece que seja, é mínimo. Ou menos.
Vago de seca em meca, sem breviário, evitando contudo que me alcancem as pupilas - dilatadas - do senhor Reitor, o Monsenhor Hilton Gonçalves de Souza. Até mesmo a leitura - clandestina - dos 'Cangaceiros' do José Lins do Rego,que tenho sob o travesseiro, não me apetece.
Será fome? Mas que diferença faz se todo dia é assim? Entre o minguado café das duas e o jantar nada há que console o estômago. Sair para comprar uma coisa, uma cocada que seja, não fere o regulamento, agora mais aberto nestes anos de 'aggiornamento' e de convivência com os colegas do seminário maior, que chegam pelo
final da tarde. O dinheiro contudo anda curto. E doce faz mal pros dentes, pro estômago.
Os poucos colegas de curso clássico andam metidos os suas rotinas, longe de minhas retinas, eu que vago nos pátio central para o qual convergem os dormitórios.
Súbito, ouço música: entreabro a saleta e lá está o Gil, concentrado na partitura e a dedilhar no órgão. Se me nota, não desfina de suas notas. Parece absorver aquela música, aquela elevação. E sai música sublime dali.
Contudo, e não contado, não trocaria aquele pelo meu. O paraíso pode esperar.