A VIDA E A OBRA DE EDGAR ALLAN POE - PARTE QUATRO
Em outubro de 1833 veio, enfim, o primeiro sucesso concreto: Edgar ganhou, com o conto “Manuscrito Encontrado numa Garrafa”, o prêmio de cinqüenta dólares num concurso organizado pelo jornal Baltimore Saturday Visiter. O dinheiro supriu as terríveis necessidades da família; mas o efeito mais importante para a carreira de Poe veio de um eminente membro do júri, John P. Kennedy (1795-1870), homem muito rico, bondoso e que, tendo se afeiçoado pelo jovem autor, o recomendou a Thomas Wilkes White, diretor do Southern Literary Messenger, de Richmond.
White contratou imediatamente Edgar, que começou a colaborar com críticas e contos e, depois, foi convidado a ir para Richmond, como “redator para todo o serviço”. Data dessa época a única peça de Poe, Cenas de “Policiano” (Politian), talvez escrita por influência de John P. Kennedy, que era teatrólogo.
Também nessa época, Edgar e Virginia tornaram-se mais íntimos e, por volta do início de 1835, começaram a falar em casamento. Escandalizado, um parente de Virginia declarou que ela era ainda muito jovem para se casar e que estava disposto a cuidar dela até que completasse dezoito anos. Entretanto, Edgar tinha uma aliada preciosa na pessoa de sua tia Maria, que o amava como a um filho e a quem ele celebraria no poema “A Minha Mãe” (“To My Mother”,1849):
“Minha mãe verdadeira, que eu mal conheci,
Era só minha mãe; mas você, a meu ver,
Sendo a mãe da mulher que eu amei e perdi,
Mais querida se torna que a mãe natural.”
(tradução de Hélio do Soveral)
Contudo, os projetos matrimoniais foram deixados de lado, quando, em julho de 1835, Edgar aceitou o emprego no periódico de Thomas White.
Mais uma vez, Edgar estava em Richmond, onde seu pai adotivo havia morrido em 27 de março de 1834. O nome do poeta nem sequer fora mencionado no testamento.
Decidido a conquistar a glória a qualquer preço, Edgar atirou-se febrilmente ao trabalho. “Agora sou feliz e com uma excelente expectativa de triunfo”, escreveu ele a John P. Kennedy. Mas bastaram algumas poucas semanas, e novamente todos esses seus sentimentos mudaram. “Nesta altura, encontro-me num estado verdadeiramente lastimável”, declarou. “Sofro de uma depressão que jamais experimentei. Tenho lutado em vão contra a melancolia. Encontro-me, pois, num estado miserável, e ignoro o porquê.” Então, entregou-se à bebida e perdeu todo o interesse pelo trabalho. Sem outra alternativa, Thomas White o despediu.
Como sempre acontecia nos momentos de maior desespero e sem ter a quem recorrer, Edgar regressou a Baltimore, indo buscar refúgio na casa de “mamãe” Clemm. E, em 22 de setembro de 1835, realizou-se secretamente seu casamento com sua jovem prima. Nesse meio tempo, John P. Kennedy intercedeu junto de Thomas White, em favor de Edgar. White acabou readmitindo-o, com “uma advertência paternal” e a condição de ele comportar-se bem.
Edgar regressou a Richmond, acompanhado por sua esposa e sua tia; e foram morar numa pensão de propriedade de uma tal sra. Yarrington, na Praça do Capitólio.
A partir do outono de 1835, Edgar entregou-se a um trabalho tenaz e duro, como redator-auxiliar de Thomas White, no Southern Literary Messenger. E, em pouco tempo, a tiragem do periódico aumentou de setecentos para três mil exemplares; e Poe foi nomeado redator-chefe, tornando-se um dos jornalistas mais influentes do Sul dos Estados Unidos. Então, muitos de seus poemas foram republicados, depois de revistos (Poe parecia nunca estar satisfeito com o que escrevia e passou a vida inteira reescrevendo seus poemas). Por outro lado, diversas histórias – entre elas “Metzengerstein” – que pretendia publicar num volume intitulado Tales of the Folio Club, apareceram no Messenger e logo chamaram a atenção por causa de seu estilo mórbido e pelas descrições cheias de aspectos trágicos e macabros.
Foi nessa época que Edgar pôde casar-se oficialmente com Virginia, já que o primeiro matrimônio não tinha valor legal algum. E, em 16 de maio de 1836, Edgar Allan Poe, de 27 anos, desposava Virginia Clemm, que tinha quase quatorze anos. Uma testemunha complacente atestou, então, que a jovem tinha 21 anos! O pastor presbiteriano que oficializou a cerimônia devia estar com os dois olhos fechados, para não perceber que isso era uma mentira, uma vez que Virginia tinha a aparência de uma menina. O casamento foi realizado na pensão da sra. Yarrington.
O poeta encontrara, finalmente, uma família. Mas teria também encontrado a felicidade, a paz? A resposta é não. Novamente não conseguiu dominar seu espírito desassossegado, indo buscar refúgio no álcool e nas drogas. Suas crises passaram a ser mais constantes e violentas, caindo em terríveis fases de depressão que o faziam detestar sua profissão. Tinha fixação num projeto que o perseguia desde os tempos de Baltimore: ser o editor de um grande magazine literário (Poe foi, sem dúvida alguma, um dos primeiros homens no mundo a perceber as possibilidades do jornalismo moderno, no que se refere a um magazine). Começou a pensar em transferir-se para o Norte, um pouco devido à sua crescente fama e muito devido aos atritos cada vez mais freqüentes com Thomas White, em virtude de não haver cumprido o que prometera e embebedar-se constantemente.