Anônimo Velusiano, seleiro curvelano
Vô Velu não conheci. Dele só ouvi, e cri. Ambulante, alcançou a proeza de cinco bodas matrimoniais, sem bigamia jamais. As sucessivas companheiras iam morrendo na mãos das parteiras e foi só no quinto casamento, já aos 46 anos, com a menina Inhana, de 14, que as coisas se acertaram. Foram sete filhos vingados dessa derradeira união, que somados aos das bodas anteriores, chegavam à dúzia.
Rédeas e montarias compunham o grosso de sua atividade com o sebo, a agulha e a sovela. Mais nos reparos do que na produção. E quando o serviço escasso tornou-se insuficiente para manter a família na Onça de Pitangui, mudou-se em 1924 para um recém fabril Brumado, que estava a apenas uma légua de distância, mas longe de sonhar com a emergência da China no fabrico de tecidos.
Empregou a filharada e até a menorzinha de sete anos se empolgou com a peleja entre teares e filatórios. Mas a paga era pouco e o consumo crescia. O alívio veio quando chegou de Santos o filho Chico e duma tacada liquidou as pendências e reticências. Foi como o dia do perdão
a comemoração à base do arroz com feijão, e da carne que enriqueceu o conteúdo protéico da moçada.
Com Inhana labutando na cozinha e Velusiano fazendo um ou outro servicinho, enquanto se digladiava com os terríveis cravos nas solas dos pés, o clã ganhava estabilidade, antes nunca vista, equilibrando receita e despesa.
Octogenário e já enfermo, teve a ventura de ver o casamento da filha Conceição, antes de se entregar aos esplendores perpétuos. Mas nesse meio tempo e até no desfecho, cortou uma volta. Além do incômodo da revolta dos cravos, não havia água que lhe desalterasse a sede atroz.
Vicentina a filha mais velha e em diuturna vigília à beira do catre repetia-nos anos depois
palavras que o pai dissera nos estertores: um quarto d´água, um quarto d´água...
Na sequidão da garganta, deixou, silente, o legado das ferramentas dum ferro preto, cujo lote reunia o compasso, a torquês, sovela e sovelão, serrote de lâmina ligeiramente empenhada e um candente conselho para o filho caçula Luís, ainda adolescente, como um testamento de Jacó:
- Cuida bem da sua mãe e das suas irmãs, que precisam dum amparo mais forte do que a minha manguarinha.