A vida de Marc Gilbert (Versão em português)
Nunca se pode saber ao certo onde habitam os gênios, e quando eles haverão de despontar. Por todo o mundo há vários gênios não cantados espalhados, esperando sua hora de brilhar, e hoje chega a hora de mais um vir à tona: o autointitulado “outsider até para os outsiders” Marc Gilbert está prestes a realizar seu primeiro show em —.
Dotado de uma fascinante história de vida, Gilbert, que até então se demonstrava avesso às multidões, diz estar “bastante contente” pela ocasião de apresentar-se, e que “sendo a música [sua] vida, já que nada mais deu certo, é recompensador poder ver que os caminhos finalmente se abriram”. Com um álbum lançado, “Alone with Me”, em 2004, produzido de forma “caseira”, e “muitos outros” esperando para ser prensados, o cantor, pela primeiríssima vez, abre o jogo para discorrer sobre sua intrigante biografia e suas batalhas contra os “esqueletos no armário”.
Nascido em Vancouver, Canadá em 1965, filho do célebre diplomata — (falecido com a esposa num trágico acidente de trânsito em 1977, o que deixaria o jovem Gilbert em estado de choque por grande parte de sua juventude), e vindo ao Brasil não muito tempo depois, Marc é o segundo dos dois filhos do casal; sua irmã mais velha, Marcie, segue como sua cuidadora e “grande confidente”. Uma criança precoce, mas também geniosa, Gilbert foi diagnosticado com transtorno bipolar aos 12 anos, e por várias vezes tinha dificuldades de comunicação e acessos de fúria que vieram a agravar-se ainda mais após a morte dos pais, já residindo no Brasil. Porém, graças à influência da irmã e ao legado da mãe, o jovem Marc aprendeu a se expressar pela música.
Citando como suas maiores influências os grandes pioneiros dos anos 60 Beatles e Rolling Stones, o álbum “Led Zeppelin IV” (que dizia “ouvir em loop” por horas a fio), Screaming Lord Sutch e Beach Boys, Gilbert começou a gravar fitas demo com um gravador improvisado em seu quarto – a primeira, “Midnight Devil Show” (da qual só há uma cópia), é um trabalho de cunho experimental “fortemente influenciado pelo Black Sabbath”. Após alguns anos “brincando de fazer música”, percebeu ele que queria ganhar a vida como cantor, e tendo preparado uma série de demos para distribuição, encontrou um sucesso moderado em círculos underground, mas o dinheiro que obteve foi muito pouco.
Vendendo suas fitas nas ruas ou até mesmo dando-as de forma gratuita, Gilbert sonhava com o dia em que lançaria seu primeiro álbum de estúdio, mas o reconhecimento tardava a chegar e nenhuma gravadora entrou em contato. Deixando-se abater pelo fracasso, ele abandonou suas pretensões musicais e, entrando em contato com um velho amigo da família, arrumou um trabalho como pesquisador numa universidade local. Por mais inteligente que fosse, no entanto, era indisciplinado e insociável, e acabou sendo demitido depois de tomar parte de um insólito caso no qual, tendo travado relações românticas com uma mendiga, a levou aos laboratórios da instituição, onde fizeram amor por toda a madrugada e, de acordo com Gilbert, nos momentos do orgasmo ela bradava o mais alto que podia: “KAWUKA!!!” (“Escrever exatamente assim”, em suas palavras.)
Esta foi apenas uma de suas várias desventuras amorosas, muito extensas para narrar aqui.
Nos anos subsequentes, Gilbert caíra numa profunda depressão; incapaz de produzir algo que lhe agradasse, trancou-se em seu quarto e recusou-se a sair por meses, nem mesmo falando com a irmã – mas tal triste quadro não perduraria, pois em 2004, aos 39 anos, encontrou ele um herói que mudaria sua vida e visão de mundo: Daniel Johnston. Sentindo que finalmente conhecera um “kindred spirit”, em cuja história de vida poderia buscar inspiração, o universo de Gilbert se metamorfoseou em algo completamente diferente, e foi aí que teve um “estalo”; valendo-se do pouco dinheiro que conseguira vendendo suas demos, gravou e produziu seu disco de estreia, “Alone with Me”, no qual a influência de Johnston é cristalinamente visível. Baseando-se particularmente em “Songs of Pain”, “Respect” e “Rejected Unknown”, o álbum é caracterizado por uma sonoridade minimalista e agradável, alicerçada no piano, e as letras de Gilbert são de um profundo teor pessoal e confessional.
Desde então, mais três álbuns foram planejados por Marc: “Tribal Sun”, “Anonymous Conformist” e “Manufactured Poorly”. Gravações demo de cada um já existem, mas Gilbert diz “ainda não ser a hora certa” para que sejam oficialmente lançados, mas que, dependendo do sucesso de seu show, pode já iniciar trabalhos mais conclusivos em “Tribal Sun”. (Explicando o grande lapso de tempo desde o lançamento de “Alone with Me”, Gilbert meramente afirma: “Não se pode apressar a perfeição”.) Graças aos esforços de um apaixonado fã, que ouviu “Alone with Me” em sua juventude e que jurou fazer de Gilbert “o cantor do século”, está ele preparando com muito esmero esta apresentação com o intuito de introduzi-lo ao grande público, e embasado em minha própria opinião, creio que ambos conseguirão o que querem, de um jeito ou de outro, pois em tempos tão artificiais como os de hoje, um artista sincero que literalmente vive em prol de sua arte pode ter muita coisa a nos ensinar, seja com sua música, autêntica e expressiva, ou com sua história, digna de uma compreensiva biografia a ser redigida por alguém de melhor talento.
(Texto escrito a pedido do próprio Gilbert)