A VIDA E A OBRA DE EDGAR ALLAN POE - PARTE UM

Há duzentos anos, em 19 de janeiro de 1809, no número 33 da Rua Hollis, em Boston, Massachusetts, nascia Edgar Allan Poe. Seus pais, dois atores pobres, David Poe Jr. e Elizabeth Poe (nascida Elizabeth Arnold), achavam-se cumprindo contrato, num teatro de Boston; e sua carreira errante – viajando em carroções desconjuntados das companhias teatrais, que trilhavam caminhos tortuosos, empoeirados ou lamacentos; descendo rios a bordo de vetustos barcos fluviais, que carregavam uma profusão de bagagens e cenários rústicos; dormindo muitas vezes ao relento, sob a luz das estrelas – permitiram ao pequeno Edgar travar, desde muito cedo, contato com a vida sofrida dos deserdados da sorte. E essa vida nômade e movimentada perseguiria Edgar por todo o sempre. “Quando sou atacado”, escreveu ele, certa vez, “por um dos meus acessos de vagabundagem (e como eu conheço bem essa tendência que me impele a errar durante uma semana ou um mês sem descanso), não poderia, nem verdadeiramente desejaria, resistir a esse apelo, nem mesmo para agradecer ao Grão Mogol, se este me declarasse único legatário dos seus bens.”

David Poe Jr. era de ascendência irlandesa, provinha de uma família que emigrara para os Estados Unidos por volta de 1748 e que distinguira-se durante a Independência Americana. Destinado pelos seus à magistratura, tudo abandonou para seguir sua vocação: o teatro (sua estréia nos palcos ocorreu em Charleston, na Carolina do Sul, em 1803). Uma notícia da época descreve-o como sendo uma pessoa extremamente tímida, ao passo que “sua voz clara e melodiosa, só se revela quando ele representa libertado de sua timidez. Sua dicção parece bem distinta e articulada, e seu rosto e sua pessoa dizem muito a seu favor. Seu tamanho é daquele porte bem adequado à ação geral, se seu talento se adaptasse ao soco e ao coturno...”

Ao que se sabe, essa é a única descrição do aspecto físico do pai do poeta. Não se conhece também nenhum retrato dele. E suas qualidades de ator eram – quando muito – limitadas.

Quanto à mãe de Edgar Allan Poe, nasceu na primavera de 1787, em Londres. Era filha de Henry Arnold e de Elizabeth Arnold (nascida Elizabeth Smith), atores do teatro de Covent Garden. Henry Arnold faleceu em 1789; e, em novembro de 1795, a sra. Arnold mudou-se com a filha para os Estados Unidos, desembarcando em Boston. Foi nessa cidade que ela deu prosseguimento à sua carreira profissional e logo conheceu um ator chamado Charles Tubbs, também inglês – “de poucos dotes e pouco caráter” –, com quem se casou em segunda núpcias. O casal apresentou-se, cantando e dançando, em diversas cidades norte-americanas. E a pequena Elizabeth Arnold, cuja estréia nos palcos teatrais ocorreu quando tinha apenas nove anos de idade, atuava em papéis infantis e, posteriormente, juvenis, em todas as companhias que sua família ingressava. A partir de 1798, nada mais se soube a respeito do casal de atores; porém, a jovem Elizabeth fez carreira e logo seu nome começou a aparecer com destaque nos cartazes e nos jornais. E, no verão de 1802, durante uma de suas viagens como atriz, ela se casou com o também ator G. D. Hopkins. Ele faleceu em outubro de 1805; e, seis meses depois, Elizabeth casaria-se com David Poe Jr.

Com Hopkins, Elizabeth não teve filhos; no entanto, com o segundo marido, teve três: William Henry Leonard, nascido em 30 de janeiro de 1807, em Boston; Edgar; e Rosalie, que veio ao mundo em 1810 (ela faleceria em 1874), em Norfolk, na Virgínia.

Devido à pobreza deles, o casal Poe deixou o primeiro filho aos cuidados da cunhada, Maria Clemm (1790-1871), e partiu para Nova York, onde, segundo Hervey Allen (no livro Israfel – Vida e Obra de Edgar Allan Poe), “David Poe Jr. morreu ou abandonou a esposa (provavelmente fez esta última coisa). Desamparada e tendo de sustentar o menino Edgar, Elizabeth, algum tempo depois, deu à luz uma menina. Lançou-se suspeita, mais tarde, a respeito da paternidade dessa última criança e sobre a reputação da sra. Poe. (...) Não é preciso dizer que tal suspeita era injusta”.

Com a saúde minada pelos sucessivos partos – ela é descrita como “uma mulher franzina, com grandes olhos misteriosos e longos cabelos anelados de um negro azeviche, estatura insignificante, membros frágeis e uma fisionomia altiva” (descrição essa que muito se assemelha às das mulheres que povoam os contos de seu filho Edgar) – e vendo-se na mais absoluta miséria, Elizabeth arrastou Edgar e Rosalie para a última etapa de seu calvário: Richmond, na Virgínia.

Certo dia, ao visitarem-na, várias pessoas encontraram-na enferma, estendida sobre o leito. Ela estava no apogeu da decadência – sem dinheiro, sem conforto e sem o que comer. As duas crianças, com as faces marcadas pela fome, estavam nuas e choravam sem parar.

R F Lucchetti
Enviado por R F Lucchetti em 23/03/2015
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