679-MARIA MOSCHIONI GOBBO-Biografia-4a.parte-final
Herança – Religião – Cozinha – Crochê
Netos - Bodas de Ouro – Falecimento
Maria foi contemplada com a casa onde morava. Tio Francisco, (ou Tio Gordo como era chamado pelos sobrinhos-netos) que não se casara, distribuiu sua fortuna ainda em vida, doando a cada sobrinho (filhos de Beatriz e Aníbal) um imóvel. O que deveria ser alegria geral para todos os contemplados, transformou-se em motivo de queixa, reclamações e desavença. Pois a casa que tocou a Maria e Pedro era a mais valorizada de todas as outras doações. Embora não pudesse haver contestação legal por parte de alguns irmãos e cunhados de Maria, a insatisfação dividiu a família.
Dois anos após a morte de Francisco, Pedro iniciou uma grande reforma na casa, transformando os dois grandes salões que tinham servido como loja, em uma nova residência, onde passaram a morar Maria, Pedro, os dois meninos e Carolina. Armando havia mudado para o Rio em 1951, após o falecimento do tio e da mãe.
A residência ficou com a entrada para frente da rua, e era dotada de algumas serventias e confortos que não haviam na residência anterior, a “casa de baixo”, como ficou sendo chamada.
Mas a mudança foi só de lugar, pois Maria continuou sendo, como foi em toda sua vida, uma mulher sensível e caridosa. Não era religiosa no sentido de frequentar a igreja. Católica por tradição ia às novenas da festa de Nossa Senhora da Abadia e acompanhava as procissões da Semana Santa. Não assistia as missas dominicais.
— Não preciso ir à missa Pedro vai todos os domingos e reza por mim. — dizia ela, brincando.
Praticava a caridade com simplicidade: dava esmolas à porta a quanto pedidor passasse. Oferecia pratos de comida quando estava na hora de refeição ou café com pão e manteiga, se o esmoler passava à tarde, pelas três horas. Tinha um carinho especial para Maria Ceguinha que trazia para a copa, onde lhe dava uma refeição, além de esmola e roupas usadas. (1)
Maria era uma cozinheira completa. Fazia como ninguém os pratos da cozinha italiana. Raviolis recheados de queijo fresco com salsinha verde; polenta temperada com molho à bolonhesa; polenta frita com queijo ralado; minestrones e outras sopas deliciosas para o jantar; rizzoto de frango: pizzito (uma espécie de pizza temperada apenas com sal e alho). Canarites com mel, na época do Natal.
Macarronada era o prato de todos os domingos: fusiles, talharins, espaguettis, e tantas outras formas de preparar o macarrão, feitos no dia, por ela e Carolina; temperados com molhos inesquecíveis: de frango, à calabresa, à napolitana, e tantos outros. Saladas de verduras frescas colhidas no quintal – inesquecíveis a quem provasse.
Fornadas semanais de pão. Bolos quentinhos para o café da tarde quase que todos os dias.
Aceitava os elogios com uma simplicidade toda sua.
— Mulher que não sabe cozinhar na família dá azar. – dizia ela em tom de chacota.
Tinha um único passa-tempo: fazer crochê. Nas tardes, depois de lavar pratos e talheres usados ao almoço, ela dedicava algumas horas a fazer crochê. Com as vizinhas passava horas e horas de conversas enquanto os dedos iam e vinham, fazendo laçadas e nós especiais. Grande era sua habilidade e reconhecido bom gosto para juntar as partes pequenas (rosetas, círculos, quadrados, triângulos) em toalhinhas ou grandes toalhas de mesa e até colchas enormes para camas.
Sem saber, tecendo em crochê as toalhas circulares em pontos delicados e em combinações que só ela imaginava, fazia verdadeiras mandalas, as quais, por certo, lhe proporcionavam bem estar e felicidade. (2)
O que lhe dava forças e energia para ajudar o marido nas ocasiões em que ele mais necessitou: o braço quebrado em 1946 (3), mais uma cirurgia abdominal em 1956 (com longo período de recuperação e sem renda alguma), e a cirurgia de catarata, em 1963, quando perdeu a visão do olho esquerdo. .
Era ela que controlava o dinheiro da casa. Assim justificava essa gerência às amigas, como que se desculpando:
— Pedro é um artista, sua felicidade é ficar na sua oficina, trabalhando, entalhando, fazendo sua arte. Alguém tem que controlar nossa riqueza.
Os filhos casaram-se, a família aumentou. Vieram os netos. Arthur e Maria Luiza tiveram dois filhos, e em seguida a jovem esposa faleceu. Foi uma perda irreparável para Arthur e as duas crianças, Celso e Josiane. Maria passou a criar os dois netos com a dedicação e a paciência de sempre. .
Em outubro de 1984, Maria e Pedro completaram cincoenta anos de união conjugal, as Bodas de Ouro, uma realização cada vez mais rara. A família contava então com 14 pessoas: Maria, Pedro, Antonio e Enny (esposa) e os filhos Cecília, Denise, Alexandre, Fabíola e Maurício: Arthur e Norma (2ª. esposa), e os filhos Celso, Josiane e Pedrinho.
Não houve grande festa, pois na sua simplicidade, Maria quis apenas uma missa e um bolo e toda a família reunida. O que a deixou extremamente feliz, como se pode ver nas fotos daquela noite.
Por essa ocasião, sentia muitas dores nas pernas causadas por câimbras. Sofrera uma queda, quebrara o fêmur e tinha uma prótese no osso da bacia. Caminhava com dificuldade, usando um “andador” para se locomover pela casa. Sempre conformada, nunca se queixando de nada. O coração, porém, já dava sinais de cansaço.
Continuava fazendo crochê, e mantinha-se firme na cozinha. Vivia com o marido e Carolina, os três velhinhos na casa que agora era grande de novo, com quartos vazios de pessoas e cheios de recordações.
Ainda com muito bom humor, dizia que estava “vivendo de horas extras”. Mas o tempo das horas extras chegou ao fim. Sem caducar, apenas perdendo a vitalidade devido ao coração fraco, faleceu tranquilamente, sentada em sua poltrona predileta, tomando o sol da manhã. O dia: 28 de março de 1986 — uma Sexta Feira da Paixão.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 21 de julho de 2011
Conto # 679 da Série 1OOO HISTÓRIAS
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