Bota o Rangel!
A epilepsia afastou o Zezé da educação nos folguedos infantis, mas ele sempre se manteve de olho, ao redor, de molho. Escola, obrigações domésticas, trabalho, passaram ao largo de suas ambições. E, no entanto, futebol era a sua paixão. A mais fiel e duradoura, inobstante os tropeços do Fluminense, o pó-de-arroz do distante Rio de Janeiro. E num segundo lugar, o América Mineiro.
Sua irmandade era grande, filhos que eram dum gerente de fábrica, sem terem que conhecer a aspereza dos teares e a inspiração do algodão, por isso ali no povoado do Brumado, parecia viver o Zezé folgazão. Seu mais dileto companheiro, no entanto, era o rádio. E assim, o Zezé acompanhava o desenrolar dos campeonatos de futebol nas modorrentas tardes domingueiras, sem alcançar o brejeiro olhar das moças namoradeiras.
Mudado com a mãe para a sede municipal da Velha Serrana, o Zezé continuou a prestar sua audiência ao esporte, seu natural consorte. Contudo, sem ter meios de o praticar, começou a rondar mesas de bar para nas cervejeiras rodas palpitar.
E numa noite serena, em que discutíamos o invariável tema do futebol, fazendo hipotéticas escalações de uma ideal seleção mineira - que praticamente se encerrava nas fileiras dominantes do Cruzeiro e do Atlético, Zezé lançou seu veemente apelo a favor de um jogador do América, o melhor do time, ponteiro esquerdo:
- Na ponta, bota o Rangel.
Tal era o calor da discussão, que ninguém ouvia o Zezé. E seu ardor foi crescendo, até, em meus ouvidos, gerar dividendo. Chamei a atenção da turma para o pleito de Zezé, mas que é de que havia vaga para ele no time? Botamo-lo no banco. E só meio satisfeito saiu o Zezé, manco, para noutra mesa meter seu pleito.