Biografia Humana 1º parte

1º SETÊNIO – A CASA

"A criança é, pois, um órgão perceptivo aberto a todas as impressões e sem possibilidade de uma elaboração pela cognição incipiente; assim, essas impressões penetram em camadas profundas, interferem na formação do organismo físico e produzem, no futuro ser, tendências e formas de ação, sentimento e emoções."

Sueli Pecci

1. Uma forte lembrança desse período imerge como fonte de água limpa e com o sabor de inocência. As coisas eram grandes e objetos corriqueiros causavam-me um enorme espanto no mesmo tempo que enchia meus olhos em busca de novas descobertas. As gavetas ganhavam formas de escadas gigantescas alcançando assim um mundo mágico de mistérios entre os frascos de perfumes e um velho altar de devoção iluminado o tempo todo.

Essa maravilhosa sensação de sentidos através dos cheiros de cada recipiente e o medo de mexer onde não devia, fascinava-me muito, e a santidade que olhava diretamente me condenando “Não mexa aí menino!” Me fez entender hoje em dia por que o Santo ficava no alto da penteadeira juntamente com as revistinhas semanais de produtos cosméticos. Aquele local sagrado marcou em minha memória, o êxtase divino e minha percepção sensorial.

“Os órgãos dos sentidos são janelas para o mundo. A criança, por meio dos órgãos, vai gradativamente se abrindo para o mundo”. Burkhard (2006, p. 42).

A casa de quatro cômodos abrigava diversos esconderijos como: quarteis, fortalezas com cobertas e almofadas, uma pequena observação do meu mundo imaginário. Vagamente, mas com muita intensidade os objetos são os que mais me remete as lembranças desta fase – como não se lembrar da primeira bicicleta? Quase impossível voltar nesta idade sem a significação das coisas e seus significados, ainda coberta por um pano tinha certeza que aquilo que estava coberto escondido iria me trazer um mix de felicitações.

E assim revelou-se o encantamento tão esperado, foi um gozo de alegria querendo dominar meu peito pelo feito daquela invenção industrial, onde poucos do bairro poderiam ter acesso (minha imaginação agora remeteu-se ao meu Pai, imaginando o sacrífico para propor esse momento tão especial para seu filho caçula). Lembrando que meus dois irmãos (mais velhos) foram ter uma bicicleta (uma) muito depois da minha...

A rua de barro, pouca iluminação e a queda foi inevitável... Choro, alegria e vontade de correr. Levantando, caindo, correndo, subindo e o impulso das mãos do meu Pai para que eu pudesse alcançar lugares ainda mais longe.