Sinhana Salvador
Nasceu antes do século vinte começar, e bem antes, se a inquirição se apurar. Cabelos corridos, compridos e encanecidos, foi como a vi lá na janela de sua casinha, no Beco dos Canudos, rua paralela à minha, que era o Beco sem Saída. Isso no fim dos anos cinquenta.
O que chamava atenção em Sinhana era a sua compostura, olhando sempre mais distante do que uma mirada no eventual circunstante. Alguns falavam que tinha sido filha de escrava - e de patrão, e de irrefreável paixão.
Esse Salvador de seu nome era imponente e sugeria uma ligação, quiçá até com o Criador, que retornou como Salvador. Sinhana tinha umas orelhas compridas e, sem atavios, aqueles buracos que mais do que brincos cabiam.
Uma única vez em que trocamos umas palavras foi quando aluno do segundo ano primário, ia eu, pouco antes do meio-dia descendo pela rua São José, que ligava os nossos dois becos, e era apenas encascalhada, esburacada, ela abordou-me, aflita, pedindo para que guiasse o neto, o Zé César, também escolar, e que ia umas cem jardas à frente, para que tomasse o rumo certo de seu educandário.
Prometi-lhe que sim, e até me compadeci do estudante que marchava num ritmo vacilante. E mal esperando receber a expressão agradecida daquela pressurosa avó, apertei o passo para encorajar o Zé César.
Em vão. Ao chegar à primeira esquina, após a ladeira, dita do Vinício, ele, que deveria dobrar à esquerda, em rumo a um dos dois grupos escolares de então, virou à direita, com o oblívio à sua espreita. E não foi daquela feita que cumpri minha palavra com Sinhana.