O VATE, CIDADÃO COSMOPOLITA

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR (*)

Não me incomoda esse último abandono

Se a carne individual hoje apodrece,

Amanhã, como Cristo, reaparece

Na universalidade do carbono!"

Augusto dos Anjos

O saber popular nos ensina de que quem quiser ser bom e lembrado por muitos, se mude e ou morra. Em vida o Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, que nasceu em 20 de abril de 1884, filho de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos, recebeu instrução rudimentar do próprio pai, homem letrado nas ciências jurídicas e sociais, depois fez o secundário no Liceu Paraibano e cursou a Faculdade de Direito do Recife, onde foi um aluno brilhante e reconhecido pelos seus colegas de academia. Esse gênio cosmopolita da literatura foi eleito por pesquisa popular o paraibano do século XX. Tudo bem, nada mais do que justo tamanho reconhecimento “post-mortem”. É importante salientar de que ele nasceu no Engenho Pau D’Arco, na época pertencente ao Município da Paraíba, então Capital do Estado da Paraíba e que tal localidade a partir de sua emancipação ocorrida em 07 de março de 1896 passou a pertencer ao Município de Cruz do Espírito Santo (denominação adotada desde 1789, por adição da palavra “Cruz”, objeto de madeira que veio em uma grande cheia do Rio Paraíba e apareceu encalhada na localidade, ao termo “Espírito Santo”, nome de “batismo” do antigo “Engenho” de propriedade do português Manoel Pires Correia, valendo salientar que em 1883, a linha férrea e a “Estação do Trem” era o equipamento mais importante da localidade e que foi inaugurada pelo Conde D’Eu, esposo da Princesa Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II, tinha inicio aí a acessibilidade de ricos, pobres e inclusive escravos nos vagões da antiga Maria Fumaça na Várzea do Paraíba, diante do farfalhar do canavial..., de modo que tendo em vista a cheia de 1924 do Rio Paraíba a sede do município foi transferida para Sapé e que somente em 1935, graças à intervenção do Deputado José Francisco de Paula Cavalcanti¹, o “Coronel Cazuza Trombone ( dono dos engenhos Santana e Massangana), conseguiu restabelecer a autonomia municipal de Cruz do Espirito Santo. Sofreu também com a mudança do para “Maguary” em 1943 e que somente em 1948 voltou a chamar-se de Cruz do Espírito Santo. A centenária Cruz do Espírito Santo, quando foi emancipada recebeu como herança o lugar onde nasceu Augusto dos Anjos, poeta parnasiano, simbolista e ou simplesmente pré-modernista no dizer de Ferreira Gullar², valendo apenas lembrar de que ali também nasceram dentre outras personalidades igualmente importantes, como por exemplo: o grande Aristides Lobo, jurista, jornalista, político e abolicionista no segundo reinado brasileiro; Filipe Moreira Lima, político e militar; José Pereira Lira, advogado e político que recebeu homenagem em Santa Rita, onde consta a Rua Pereira Lira, no Bairro Popular; Osvaldo Trigueiro do Vale, político influente; Ramiro Fernandes de Carvalho², advogado, político, deputado estadual na segunda legislatura de 1951 a 1955; e na terceira legislatura de 1955 a 1959; e suplente de deputado convocado na quarta legislatura de 1959 a 1963 e Maílson Ferreira da Nóbrega, economista e ex-ministro do Brasil, recentemente. De modo que o lugar onde o vate nasceu, Engenho Pau D’Arco, com a emancipação política do Município de Sapé em 01 de dezembro de 1925, tal localidade passou a integrar a base territorial daquele novo município. Surgindo daí por adoção, a terceira naturalidade do referido vate. É evidente de que Augusto dos Anjos, provavelmente nunca esteve pessoalmente no solo da atual cidade de Sapé, tendo em vista que quando ele estudava na Paraíba, então Capital do Estado, no Liceu Paraibano e bem assim na Faculdade de Direito do Recife, vinha de trem e saltava na Estação Ferroviária de Cobé e de lá ia a cavalo e ou de charrete para o Engenho Pau D’Arco, que mudou o nome para Engenho Bonfim quando o coronel Gentil Lins (prefeito nomeado do Sapé em 01/12/1925), o comprou, bem como passou a denominar-se de Usina Santa Helena, quando os irmãos Ribeiro Coutinho o adquiriu e montou a referida fábrica açucareira de grande porte, segundo José Lins no romance “Fogo Morto”, publicado em 1943, sua obra prima e memorialista, tendo como ambiente a Paraíba, citando o processo de decadência dos engenhos de cana de açúcar local e do nordeste do Brasil, tendo em vista a abolição da escravidão e o surgimento das usinas no final século XIX e início do século XX. E o com o grupo Caiena não foi diferente na década de 80 do século XX, outra vez o Pau D’Arco, o Bonfim e agora Santa Helena, foi desativada e suas terras invadidas e desapropriadas para assentamento da reforma agrária. É mera ilação dizer que o “vate³” esteve em carne e osso pelo menos uma única vez visitando a cidade de Sapé, porque a referida cidade era inexistente, tinha apenas uma modesta “Estação do Trem” e meia dúzia de casas em seu entorno do Engenho do Buraco, atual Conceição, de propriedade do casal Simplício Alves Coelho e Emilia da Cunha Coelho (pais de José da Cunha Coelho, casado do Andradina Lins Cavalcanti, filha do Coronel Trombone e Luzia Lins Cavalcanti, irmã da mãe de José do Rego; e Arnóbio da Cunha Coelho, casado com Nenzinha Madruga Coelho) ambos sepultados no cemitério central de Sapé), época em que o poeta, além de estudar e fazer seus deveres de casa, escrevia suas poesias debaixo do “tamarindo” no Pau D’Arco. É certo que ele morreu às 4 (quatro) horas da madrugada, com 30 (trinta) anos de idade, vitimado pela pneumonia, deixou como herança para a posteridade além de sua ideologia poética representada por seu “EU”, o amor de sua esposa, um casal de filhos ainda crianças e para crescer ouvindo a história da memória de seu genitor, exemplo para os humanos e para a eternidade de seus sonhos não realizados e muito bem declamados e ou denunciados através de sua pena, em Leopoldina, Estado de Minas Gerais em 12 de novembro de 1914, esquecido sua gente e das autoridades da Paraíba. Tudo isso se comprova, ex-vi a poesia: “Versos Íntimos”, ao afirmar que: “ [...] Se a alguém causa inda pena a tua chaga; Apedreja essa mão vil que te afaga; Escarra nessa boca que te beija!”. Disso não temos dúvida. Escreveu um magro livro, sua única obra: “Eu”, que foi publicado dois anos antes de sua morte prematura. Isso vale dizer de que ele em vida não participou de nenhuma academia municipal, estadual, nacional e ou internacional de letras e ou de poesia. Sofreu seu calvário em vida e morreu contando para si sua própria sorte, motivo ou tema de seus filosóficos e antropológicos versos indecifráveis até o presente momento, apenas ele sabia o significado de sua apologia a tristeza diante da condição do ser humano. Sofreu calado e calado morreu como um animal irracional vai para o matadouro para ser sacrificado, embora consciente de seus atos e fatos. Reagia escrevendo as injustiças praticadas contra si e contra seus semelhantes diante da historicidade de então, onde usava e abusava dos termos científicos, tamanho era seu cabedal cultural, sociológico, filosófico e antropológico, onde traçava os termos das ciências humanas e desumanas, assim como o ajudante de pedreiro traça o barro, cimento, areia, a cal e água, no preparo da massa para fazer o reboco dos casebres e dos palácios. E sua sombra continua viva em nossa lembrança e da literatura mundial, tendo em vista seu estilo impar. É um escritor e poeta cosmopolita. Cidadão do mundo, maior do que ter nascido na Capital da Paraíba, em Cruz do Espírito Santo e ou Sapé, levando em consideração sua própria afirmação poética “[...] na universalidade do carbono!”. Isso é coisa menor, pequena demais para o Augusto dos Anjos, mito da literatura universal. Ele é cidadão cosmopolita, tinha conhecimento e ciência própria da a morte que nos espera ao declarar em sua poesia: “Soneto”, dedicado ao seu filho primogênito, nascido morto com sete meses incompletos no dia 2 de fevereiro de 1911: “[...] Ah! Possas tu dormir, feto esquecido; Panteísticamente dissolvido; Na noumenalidade do não ser!”. E em “Debaixo do Tamarindo”, Augusto dos Anjos antecipava seu abandono material na Paraíba e preconiza como se fosse uma profecia, dizendo: “[...] Voltando à pátria da homogeneidade; Abraçada com a própria Eternidade; A minha sombra há de ficar aqui!”. É por esse motivo que a Família de Augusto dos Anjos não autorizou até hoje que os restos mortais dele fossem transladados de Leopoldina, Minas Gerais para Paraíba. Na época o Governo João Machado, negou ao poeta uma licença para tratamento de saúde no Rio de Janeiro, motivo pelo qual ele abandonou o emprego no Liceu Paraibano e foi embora da Paraíba com destino ao Rio de Janeiro e de lá para Leopoldina e nunca mais voltou. Confirmando assim “[...] A minha sombra há de ficar aqui!”, no Engenho Pau D’Arco, no Bonfim, na Santa Helena, na Paraíba, no Brasil e no Universo. O Governo do Estado da Paraíba, fez recuperar a casa de Guilhermina, sua ama de leite e nela instalou e continua funcionando a todo vapor o “Memorial Augusto dos Anjos”, museu aberto ao público no caminho que leva ao pátio da extinta Usina Santa Helena (ex-Engenho Pau D’Arco e ex-Usina Bonfim), em ruínas, tendo em vista que a reforma agrária desapropriou suas terras, as quais foram entregue aos “sem-terras” no final do século XX, e além do mais, Sapé/Paraíba sempre foi uma terra livre e agitada em termos de lutas pela liberdade no campo, pois, na década de 1960, principalmente no dia 02 de abril de 1962, foi assassinado por pistoleiros a mando, sic, de latifundiários da várzea do Paraíba o então Presidente da Liga Camponesa de Sapé/Paraíba João Pedro Teixeira, na localidade denominada de Antão do Sono, entre Sobrado e a Rodoviária Federal de Café do Vento, segundo informam os jornais da época e cujo tema é retratado no filme brasileiro: “Cabra marcado para morrer5” de Eduardo Coutinho (1984). O vate escreveu sua historicidade pela indiferença governamental quando lhe negou uma licença para tratamento de saúde, enquanto o líder camponês escreveu com o próprio sangue sua saga ideológica visando adquirir um palmo de terra para “situar-se” e criar sua prole.

Por analogia e simplificação do lócus literário em Augusto dos Anjos, verso o lócus da historicidade da Liga Camponesa de Sapé em João Pedro Teixeira, é importante mencionar de que o referido líder sindical também não nasceu em Sapé, porém, aqui chegou e se casou com Elisabete Teixeira, constituiu uma grande prole, foi martirizado pela causa da reforma agrária e atualmente é homenageado com o seu nome da rodovia PB que liga Sapé a BR 230, bem como a casa onde morou até morrer na localidade Barra de Anta, no Sapé rural, foi instalado o museu para contar sua história, saga da própria história da vida dos trabalhadores rurais do país na década de 60 do século XX, além de outras homenagens como nome de rua e de repartições municipais em Sapé e outros municípios da redondeza. Com o assassinato de João Pedro Teixeira, nasce o maior líder da causa camponesa da Paraíba e um dos maiores do Brasil de todos os tempos. De modo que o líder camponês versus o grande vate, literário e filósofo, tem razão ao afirmar em “ Vozes da Morte”, onde envolve a natureza e ele próprio em um verdadeiro jogo de palavra, verdadeira parábola futurista in.:

[...]

Não morrerão, porém, tuas sementes!

E assim, para o futuro, em diferentes

Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,

Pelo muito que em vida nos amamos,

Depois da morte inda teremos filhos!

....................

……………………....

¹ http://ozildoroseliafazendohistoriahotmail.blogspot.com.br/2011/01/assembleia-legislativa-da-paraiba.html

² http://www.youtube.com/watch?v=ZEd8yrBIbpU

³ http://ozildoroseliafazendohistoriahotmail.blogspot.com.br/2011/01/assembleia-legislativa-da-paraiba.html

4 Significado de vate . O que é vate: Substantivo comum concreto masculino, eventualmente também feminino. O que tem o dom da poesia e/ou do vaticínio.

5 http://www.youtube.com/watch?v=VJ0rKjLlR0c

………………………

(*)FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

Endereço para acessar este CV:

http://lattes.cnpq.br/5755291797607864

ACADEMIA PARAIBANA DE POESIA

CADEIRA 7 – PATRONO: CARLOS DIAS FERNANDES

REsp-1282265 PB (2011/0225111-0)

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=201102251110&pv=010000000000&tp=51

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/decisao.asp?registro=201102251110&dt_publicacao=7/5/2013

https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=28033890&formato=PDF

ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL

http://www.academialetrasbrasil.org.br/albparaiba.htm

http://www.academialetrasbrasil.org.br/ArtFPMAdetentos.html

http://www.academialetrasbrasil.org.br/albestados.htm

http://www.academialetrasbrasil.org.br/artfranaguiar.htm

http://www.academialetrasbrasil.org.br/galeriamembros.htm

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 03/09/2014
Reeditado em 25/09/2014
Código do texto: T4948238
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.