LEONARDO VILLAS-BÔAS
(43 anos)
Humanista e Sertanista
* Botucatu, SP (1918)
+ São Paulo, SP (06/12/1961)
Leonardo Villas-Bôas foi um sertanista brasileiro, o mais jovem dos irmãos Villas-Bôas.
Leonardo Villas-Bôas nasceu em Botucatu SP em 1918. Membro, como os irmãos Orlando Villas-Bôas e Cláudio Villas-Bôas, da expedição Roncador-Xingu, viveu depois, por vários anos, no posto Jacaré, no alto Xingu.
Em 1961 foi encarregado de fundar um posto no alto Kuluene, mas adoeceu e teve de ser retirado do sertão. Pacificou os índios Xikrin, ramo Caiapó, do sudoeste do Pará, e tomou parte na Operação Bananal (1960), organizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi também chefe da base de Xavantina.
Leonardo Villas-Bôas viveu com a índia Pele de Reclusa entre 1947 e 1953. O jovem Villas-Bôas teria mantido uma relação ilícita, pública e de exclusividade comPele de Reclusa. A índia era parte da tribo de índios Kamayuráuma e esposa do grande xamã e chefe Kutamapù, uma das mulheres do chefe, o que, entre outras coisas, fez com que ela fosse coletivamente estuprada pelos homens da aldeia como forma de punição.
"Arraia de Fogo" de José Mauro de Vasconcelos, narra perfeitamente o trabalho e as dificuldades dos irmãos Villas-Bôas, ao travar contatos com os índios. Trata-se de um romance, que tem como personagem principal, não Cláudio Villas-Bôas ou Orlando Villas-Bôas, poderia tratar-se de Leonardo Villas-Bôas? Tão pouco citado, mas de grande importância, pois trabalhou arduamente com seus imãos Cláudio e Orlando.
Leonardo Villas-Bôas morreu na cidade de São Paulo em 1961 vítima de Miocardia Reumática.
Leonardo, Orlando e Cláudio
Os Irmãos Villas-Bôas
Os irmãos Villas-Bôas - Orlando Villas-Bôas (1914-2002), Cláudio Villas-Bôas (1916-1998) e Leonardo Villas-Bôas (1918-1961), foram importantes sertanistas brasileiros.
Nascidos na cidade de Botucatu, interior de São Paulo, com a morte dos pais,Agnello e Arlinda Villas-Bôas, a cidade de São Paulo já não os prendia. Vieram do interior paulista para a Capital pois o pai, Agnello, advogado, havia sido convidado por um escritório do ramo. Mudaram-se para uma pensão na Rua Bento Freitas, esquina com a Rua Marquês de Itu.
Fundação Brasil Central - Expedição Roncador Xingu
O lançamento do plano de ocupação do território brasileiro a "Marcha Para o Oeste" no ano de 1938 estava em completa sintonia com os mais recentes e graves acontecimentos políticos que haviam abalado o Brasil. No dia 10 de novembro de 1937, o país ouvira, em cadeia de rádio, a decretação do Estado Novo e Getúlio Vargas (1882-1954) permaneceria na presidência da República até 29 de outubro de 1945. Getúlio Vargas passou a governar através de decretos-lei e mobilizou o país em uma campanha de integração nacional: A "Marcha Para o Oeste". Nas palavras de Getúlio Vargas, pronunciadas naquele primeiro de ano:
"A civilização brasileira a mercê dos fatores geográficos, estendeu-se no sentido da longitude, ocupando o vasto litoral, onde se localizaram os centros principais de atividade, riqueza e vida. Mais do que uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no sentido das latitudes. Retomando a trilha dos pioneiros que plantaram no coração do Continente, em vigorosa e épica arrancada, os marcos das fronteiras territoriais, precisamos de novo suprimir obstáculos, encurtar distâncias, abrir caminhos e estender fronteiras econômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da Nação. O verdadeiro sentido de brasilidade é a 'Marcha Para o Oeste'. No século XVIII, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o Continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: - dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial."
(Saudação aos Brasileiros, Pronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo o País, às 00:00 hs de 31 de Dezembro de 1937)
Orlando Villas-Bôas, Cláudio Villas-Bôas e Leonardo Villas-Bôas tomaram parte desde as primeiras atividades da vanguarda da Expedição Roncador-Xingu criada pelo governo federal no início de 1943 com o objetivo de conhecer e desbravar as áreas mostradas em branco nas cartas geográficas brasileiras. O índio apareceria, mais tarde, diante da expedição como um "obstáculo".
Posteriormente foram designados chefes da expedição. Em face disso foram acelerados todos os trabalhos em andamento, possibilitando assim que fosse vencida a grande e difícil etapa Rio das Mortes - Alto Xingu. A segunda etapa, ainda mais longa Xingu - Serra do Cachimbo - Tapajós, deixou no roteiro uma dezena de campos de pouso. Alguns desses campos - Aragarças, Barra do Garças, Xavantina, Xingu, Cachimbo, e Jacareacanga, foram mais tarde transformados em Bases Militares e em importantes pontos de apoio de rotas aéreas nacionais e transcontinentais pelo Ministério da Aeronáutica. Outros campos intermediários como o Kuluene, Xingu, Posto Leonardo Villas-Bôas, Diauarum, Telles Pires e Kren-Akôro, tornaram-se Postos de assistência aos índios.
Leonardo, Cláudio e Orlando foram os principais idealizadores e participaram dogrupo integrado pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional, Café Filho, vice-presidente da República, brigadeiro Raimundo Vasconcelos de Aboim, Darcy Ribeiro e José Maria da Gama Malcher, diretor do Serviço de Proteção aos Índios, que, pleiteou ao presidente da República a criação do Parque Nacional do Xingu. A criação desse parque visava a preservar a fauna e a flora ainda intocadas da região, assim como resguardar as culturas indígenas da área. Dessa reunião também participou o médico sanitaristaNoel Nutels.
Como decorrência dos esforços envidados pelos irmãos Villas-Bôas e pelo auxílio das personalidades citadas, foi criado, em 1961, o Parque Nacional do Xingu, a mais importante reserva indígena das Américas.
No que tange à fauna e à flora, a reserva procuraria guardar para o Brasil futuro um testemunho do Brasil do Descobrimento, considerando-se a descaracterização violenta pela qual vem passando as nossas reservas naturais. Ali, a reserva mostraria ao Sul os últimos descampados e cerrados do Brasil Central - para através de uma transição busca, mostrar ao Norte, com toda a exuberância, a Hileia Amazônica caracterizada pelas seringueiras, cachoeiras, castanheiras e as gigantescas samaumeiras.
Por fim, cabe registrar que no roteiro da Expedição Roncador-Xingu, órgão da vanguarda da Fundação Brasil Central, em toda a sua extensão entre os Rios Araguaia e Mortes, Mortes e Kuluene (região da Serra do Roncador), Kuluene-Xingu (abrangendo extenso vale), Xingu-Mauritsauá, cobrindo ampla região do Rio Teles Pires ou São Manuel, alcançando, ainda, a encosta e o alto da Serra do Cachimbo, nasceram mais de quarenta municípios e vilas, quatro bases de proteção de voo do Ministério da Aeronáutica, dentre as quais se destaca a Base da Serra do Cachimbo.
A permanência efetiva dos irmãos Villas-Bôas na área do sertão foi de 42 anos.
Carta de próprio punho do Marechal Rondon para os Irmãos Villas-Bôas. O marechal só escrevia de próprio punho para sua filha e para os Villas-Bôas. É importante atentar para o encerramento da carta: "afetuoso abraço do velho, seu admirador Cândido M. S. Rondon"
A Política Indigenista Proposta Pelos Irmãos Villas Bôas
O posicionamento dos irmãos Villas Bôas acerca da política indigenista brasileira, foi tributário das idéias do marechal Rondon. Nesse sentido, mostrou-se pautado por uma intensa preocupação protecionista e preservacionista relativamente aos povos indígenas, procurando, contudo, interferir o mínimo possível na vida e na organização social desses povos. Foi com base nessas premissas que eles conduziram pacificamente o contato com todas as tribos indígenas da região do Xingu e lá implantaram uma reserva, Parque Indígena do Xingu, cuja intenção básica foi proteger e resguardar os povos indígenas xinguanos de contatos indiscriminados com as frentes de penetração de nossa sociedade.
Trata-se de um posicionamento que, em linhas gerais, caminha no sentido da orientação pacifista rondoniana, mas que, entretanto, não se restringe a ela, pois a perspectiva dos Villas-Bôas não visava mais a pacificação dos índios com vistas a transformá-los em trabalhadores rurais. Ao contrário, a partir dos contatos e das relações privilegiadas que tiveram com as populações indígenas do Xingu, os irmãos Villas-Bôas puderam apreender toda a riqueza cultural das mesmas, o que os levou a defender não apenas a sua integridade física, mas também sua integridade cultural.
Conforme enfatiza Darcy Ribeiro:
"Os Villas-Bôas dedicaram todas as suas vidas a conduzir os índios xinguanos do isolamento original em que os encontraram até o choque com as fronteiras da civilização. Aprenderam a respeitá-los e perceberam a necessidade imperiosa de lhes assegurar algum isolamento para que sobrevivessem. Tinham uma consciência aguda de que, se os fazendeiros penetrassem naquele imenso território, isolando os grupos indígenas uns dos outros, acabariam com eles em pouco tempo. Não só matando, mas liquidando as suas condições ecológicas de sobrevivência."
(Darcy Ribeiro - "Confissões" - São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 194)
O antropólogo americano Shelton Davis, ao analisar os dois principais modelos de política indigenista que se confrontaram no Brasil durante a segunda metade do século XX, ressalta que:
"Quando a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi criada em 1967, dois modelos opostos de uma política indigenista existiam no Brasil. Um desses modelos, que era radicalmente protecionistas na natureza, foi desenvolvido por Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas no Parque Nacional do Xingu. Segundo este modelo, as tribos indígenas devem ser protegidos pelo governo federal a partir de invasões na fronteira fechada parques indígenas e reservas, e estar preparado gradualmente, como independente, grupos étnicos, para se integrarem na sociedade em geral e a economia do Brasil. Em oposição à filosofia dos irmãos Villas-Bôas era um segundo modelo de política indigenista que foi desenvolvido pelo Serviço de Proteção ao índio brasileiro nos últimos anos de sua existência e, posteriormente, assumido pela FUNAI. Este modelo foi desenvolvimentista na natureza e foi baseada na premissa de que os grupos indígenas devem ser rapidamente integrados, como força de trabalho de reserva ou como produtores de bens transacionáveis nas economias em expansão regional e rural estruturas de classe do Brasil."
(Shelton Davis - "Vítimas do Milagre de Nova York" - Cambridge University Press, 1977)
Os irmãos Villas-Bôas sustentavam uma política indigenista fundada em dois princípios básicos:
- Os índios só sobrevivem em sua própria cultura;
Os processos integrativos ocorridos historicamente no Brasil teriam, via de regra, conduzido à desagregação das comunidades indígenas e não à sua efetiva participação em nossa sociedade.
Os Índios
No aspecto dos índios, os irmãos Villas-Bôas implantaram uma nova política indigenista, que, basicamente, consistia na defesa dos valores culturais dos índios, como único meio de evitar a marginalização e o desaparecimento dos grupos tribais. A partir da máxima segundo a qual "O índio só sobrevive na sua própria cultura", os irmãos Villas-Bôas conseguiram implantar uma nova forma de relacionamento entre nossa sociedade e as comunidades indígenas brasileiras. Essa política vem sendo esposada por etnólogos e entidades científicas não só nacionais, como estrangeiras.
Os irmãos Villas-Bôas mostraram que a antiga visão que a sociedade nacional tinha acerca do índio era absolutamente equivocada. Não se tratava, portanto, de sociedades selvagens, sem regras e sem estrutura social como se narrava na época do Descobrimento do Brasil. A nova imagem do índio, trazida pelos irmãosVillas-Bôas à nossa sociedade, era a de uma sociedade equilibrada, estável, erguida sobre sólidos princípios morais e donos de um comportamento ético que sustentava uma organização tribal harmônica. A esse respeito Cláudio Villas-Bôas teria dito certa feita:
"Se achamos que nosso objetivo aqui, na nossa rápida passagem pela Terra, é acumular riquezas, então não temos nada a aprender com os índios. Mas se acreditamos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade, então os índios têm lições extraordinárias para nos dar."
(Cláudio Villas-Bôas)
Parque Indígena do Xingu
A área do Parque Nacional do Xingu, hoje Parque Indígena do Xingu, que conta com mais de 27 mil quilômetros quadrados, está situado ao norte do estado de Mato Grosso, numa zona de transição florística entre o planalto central e a Amazônia. A região, toda ela plana, onde predominam as matas altas entremeadas de cerrados e campos, é cortada pelos formadores do Xingu e pelos seus primeiros afluentes da direita e da esquerda. Os cursos formadores são os Rios Kuluene, Ronuro e Batoví. Os afluentes, os Rios Suiá Miçu, Maritsauá Miçu, Auaiá Miçu, Uaiá Miçu e o Jarina, próximo da cachoeira de Von Martius.
Atualmente, vivem na área do Xingu, aproximadamente 5.500 índios de catorze etnias diferentes pertencentes às quatro grandes famílias linguísticas indígenas do Brasil: Carib, Aruak, Tupi, Jê. Centros de estudo, inclusive a Unesco, consideram essa área como sendo o mais belo mosaico lingüístico puro do país. As tribos que vivem na região são: Kuikuro, Kalapálo, Nafukuá, Matipú, Mehinaku, Awetí, Waurá, Yawalapiti, Kamayurá, Trumái, Suyá (Kisedjê), Juruna (Yudjá), Txikão (Ikpeng), Kayabí, Mebengôkre e Kreen-Akarôre (Panará).
Marco do Centro Geográfico Brasileiro, plantado pelos irmãos Villas-Bôas a pedido do Marechal Rondon
Foi também Orlando Villas-Bôas e seu irmão Cláudio Villas-Bôas quem, por solicitação do marechal Rondon, plantou o Centro Geográfico Brasil, às margens do rio Xingu, 17.800 metros para o interior.
O estabelecimento de campos de apoio e pontos de segurança de voo na rota do Brasil central, proporcionou à aeronáutica civil substancial economia em horas de voo, principalmente nos cursos internacionais. E foram esses sem dúvida, os objetivos que levaram à instalação, hoje dos núcleos de proteção de voo de Aragarças, Xavantina, Xingu, Cachimbo (hoje a maior base aérea militar do Brasil) e Jacareacanga. A esses trabalhos estiveram empenhados os irmãos Villas-Bôasque, a partir de Xavantina, foram os responsáveis por toda uma marcha desbravadora, como também, locação dos pontos e dos campos pioneiros. Logicamente, tudo isso foi feito mediante pagamento de pesado tributo, cobrado pelo sertão e suas áreas insalubres. Para testemunhar, duas centenas de malárias que a cada um se registra.
Após encerrarem suas atividades no Parque Indígena do Xingu, os dois irmãos Orlando Villas-Bôas e Cláudio Villas-Bôas, aposentados, continuaram atuando como assessores da presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Estimativa dos Trabalhos Realizados
- Expedição Roncador-Xingu - picadas: cerca de 1.500 quilômetros;
Rios navegados (explorados): cerca de mil quilômetros;
Campos abertos (inclusive aldeias): dezenove;
Campos (hoje bases militares para a segurança de vôo): quatro;
Rio desconhecidos (levantados e explorados): seis;
Marcos de coordenadas: seis;
Tribos assistidas (aldeias): dezoito.
Esse intenso trabalho exploratório no interior do Brasil permitiu o mapeamento de um território até então desconhecido.
Homenagens
Os irmãos Villas-Bôas receberam diversas homenagens em razão do trabalho desenvolvido, depois do falecimento os irmãos receberam muitas outras láureas, à título póstumo. Destacam-se entre elas:
- Medalha do Fundador, concedida pela Royal Geographical Society Of London, com a aprovação da Rainha da Inglaterra;
As mais altas condecorações brasileiras como o Grau Oficial da Ordem do Rio Branco e Grão Mestre da Ordem Nacional do Mérito, entre outras;
Membros do The Explorers Club Of New York";
Foi apresentado para o Prêmio Nehhu da Paz bem como para o Prêmio Nobel da Paz com indicações de Julian Huxley e Claude Lévi-Strauss.
Receberam, ainda, cinco títulos Doutor Honoris Causa de universidades estaduais e federais brasileiras e algumas dezenas de títulos de cidadãos honorários de todo território brasileiro.