O escuro da gagueira

não sei como iniciar uma biografia, se começar com letra maiúscula é importante para você então creio que este não é um texto que você irá gostar e se identificar. tomo um gole de café ouvindo jornal nacional e lembrando da última noite, em que novamente tive que revelar minhas fraquezas em uma mesa de bar, para pessoas próximas só que nem tanto. falei da minha gagueira. como é difícil se expressar, pensar 30 vezes antes de se pronunciar, falar pausadamente, torcer para alguém completar aquela palavra difícil de sair, ninguém pode perceber. de como não tenho vontade de pegar um diploma de um curso de filosofia bem cursado, do pavor de apresentar um trabalho na frente de todos, da vontade de vomitar sempre que tem alguém olhando de mais para mim. me perguntaram sobre um sonho de adolescência. disse que era ser musicista tocar para muita gente. mas meu sonho mesmo era encontrar um poeta que assim como eu tem dificuldade de se expressar, que não gosta de falar, que encontra na arte a sua fala, a sua dança, o seu canto e o seu medo de ser aplaudido. encontrei florbela, machado, allen, me senti completa, e ainda me sinto feliz escondida em mim mesma, em um silêncio e um escuro indecifrável, ou fácil de ser resumido na moça branca, distraída, que quase não fala e tem poucos amigos. mas consegue levantar todos dias, ser cordial, pegar ônibus lotado e que diz que dia lindo.