MÁRIO QUINTANA: SIMPLESMENTE POESIA
Mário de Miranda Quintana, poeta, contista e jornalista gaúcho (Alegrete 1906 – Porto Alegre 1994) aprendeu a ler aos sete anos de idade, auxiliado pelos pais. A sua cartilha era o jornal Correio do Povo. Seus pais também o ensinaram rudimentos de francês. Em 1919 Quintana foi internado no colégio militar de Porto Alegre. Por esse tempo começou a produzir os seuS primeiros trabalhos que foram publicados na Revista Hyloea, que pertencia à sociedade cívica e literária dos alunos do colégio. Em 1924 deixou o colégio militar e no ano seguinte retornou a Alegrete quando começou a trabalhar na farmácia de seu pai. Em 1934 saiu a primeira publicação de uma tradução de sua autoria: “Palavras e Sangue”, do poeta, novelista, crítico literário e jornalista italiano Giovanni Papini (Florença 1881 - Idem 1956). Começa então a traduzir para a Editora Globo. Em 1939, o romancista paulista Monteiro Lobato (Taubaté 1882 – São Paulo 1948), lê alguns quartetos do poeta e escreve-lhe recomendando um livro. Em 1943 começa a publicar o “Do Caderno H”, espaço diário na revista Província de São Pedro. Em 25 de agosto de 1966, para comemorar os 60 anos, o poeta é saudado na Academia Brasileira de Letras pelo poeta e ensaísta gaúcho Augusto Meyer (Porto Alegre 1902 - Idem 1976) e pelo poeta pernambucano Manuel Bandeira (Recife 1886 – Rio de Janeiro 1968). A poesia de Quintana é de uma doçura ímpar. A pureza e a simplicidade são as marcas principais do poeta. Também na prosa se mostrava excepcional. Quintana era a poesia sempre. O poeta execrava a longuidão, pois como ele dizia, a síntese era o que ele mais adorava. Dono de um fino humor, Quintana é, na realidade, um dos cinco maiores poetas brasileiros. Nunca foi preocupado com relação à critica. Imortal sem ter sido “imortalizado” visto que por três vezes se candidatou à Academia Brasileira de Letras sem obter êxito. Quintana é o poeta das coisas simples. Obras Principais: A Rua dos Cataventos (1940), Canções (1945), Sapato Florido (1947), Espelho Mágico (1948), O Aprendiz de Feiticeiro (1950), Poesias, 1962; Pé de Pilão (1968), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca e o Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Nova Antologia Poética (1982), Batalhão das Letras (1984), Baú de Espantos (1986), Preparativos de viagem (1987). Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Quintana.
CANÇÃO DE OUTONO
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!
RECORDO AINDA
Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
O QUE CHEGOU DE OUTROS MUNDOS
Tenho uma cadeira de espaldar muito alto
Para o visitante noturno
E enquanto levemente balanço entre uma e outra vaga de sono,
Ei-lo
O que chegou de outros mundos...
Ali sentado e sem um movimento.
Talvez me olhe como a forma já ultrapassada (que tudo o seu espanto e imobilidade pode dizer).
E eu então - ele ainda deve estar ali! -
Levanto-me e vou cumprindo
Todos os meus rituais.
Todos os estranhos rituais de minha condição e espécie.
Religiosamente.
Cheio de humildade e orgulho.