Rabindranath Tagore
Escritor indiano, nasceu em Calcutá em 1861 e morreu em Bengala em 1941. Depois de educação tradicional na Índia, completou a formação na Inglaterra entre os anos de 1878 e 1880. Começou sua carreira poética com volumes de versos em língua bengali. Em 1931, recebeu o prêmio Nobel de literatura. Desde então, traduziu seus livros para o inglês, a fim de lhes garantir maior difusão. Em suas poesias, Tagore, oferece ao mundo uma mensagem humanitária e universalista. Seu mais famoso volume de poesias é Gitãñjali (Oferenda poética). Fundou, em 1901, uma escola de filosofia em Santiniketan, que, em 1921, foi transformada em universidade.





Verdades

RABINDRANATH TAGORE


Roubo do hoje a força
Fazendo nascer o amanhã.
Da janela acompanho com olhar
As nuvens do céu.
De novo a sombra sinistra
Tolda tristemente meus sonhos.

Tua imagem me acompanha
Por todos os lugares por onde ando.
E em todos os momentos
É a tua presença que espanta
As brumas do desconhecido.

Não faço perguntas.
Tenho medo das respostas que já sei.
Liberta do invólucro físico
Devolverei a matéria ao pó de que fora feito.

Vivi meus três caminhos na terra.
Purgatório. Inferno. Céu.
Tudo de acordo com meus projetos,
Minhas atitudes,
Procurando não reincidir nos mesmos erros.

Agora - vago e espero
Entre ápodos e flagelos
O ressurgir da verdade


RABINDRANATH TAGORE



CANTAR ME ENLOUQUECE




Quando me ordenas cantar, parece que o meu coração vai arrebentar-se...
Pensei que poderia te pedir a grinalda de flores que levas no pescoço...

Essa que ficou sempre na profundidade do meu ser...

A minha libertação...
Daqui por diante eu me expressarei em sussurros...

Cantar me enlouquece...


Quando me ordenas cantar,
parece que o meu coração vai arrebentar-se
de orgulho. Então contemplo a tua face e as
lágrimas me vêm aos olhos.

Tudo o que é duro e dissonante em
minha vida se dissolve em única e doce
harmonia, e a minha adoração abre as
suas asas, como um pássaro alegre voando
sobre o mar.

Sei que tens prazer no meu canto.
Sei que posso chegar à tua presença apenas
como um cantor.

Com a ponta da asa imensamente
aberta do meu canto eu roço os teus pés,
que eu jamais poderia querer alcançar.

Embriagado pela alegria de cantar,
esqueço a mim mesmo e te chamo amigo,
tu que és o meu Senhor.

Pensei que poderia te pedir a
grinalda de flores que levas no pescoço,
mas não me atrevi. Fiquei esperando pela
manhã, quando tivesses ido embora, para
encontrar pedaços dela no leito. E fiquei na
madrugada feito mendiga, procurando
uma ou duas pétalas caídas.

Coitada de mim, o que foi que
encontrei? O que me restou do teu amor?
Nem flor, nem perfume, nem jarro de água
perfumada... Apenas a tua espada
poderosa, flamejante como chama e pesada
como raio na tempestade. A luz jovem da
manhã entra pela janela e se derrama em
teu leito. O pássaro da manhã começa a
cantar, e me pergunta: "Mulher, o que é
que encontraste?" Não, não foi uma flor,
nem perfume e nem jarro de água
perfumada. Encontrei apenas a tua espada
poderosa.

Sento-me e fico cismando, admirada
com essa tua dádiva. Não acho lugar onde
escondê-la. Tenho vergonha de usá-la, tão
frágil sou, e ela me fere quando eu a aperto
contra o peito. Mesmo assim, porém, eu
levarei no meu coração esse honroso fardo
de dor, que é a tua dádiva para mim.

Doravante nada mais temerei neste
mundo, e tu conquistarás a vitória em
todas as minhas lutas. Deste-me a morte
por companheira, e eu vou coroá-la com a
minha vida. A tua espada está comigo para
cortar as minhas amarras, e nada mais
temerei neste mundo.

Doravante eu abandono todos os
adornos fúteis. Senhor do meu coração,
não vou mais ficar esperando ou me
desesperando pelos cantos, e nunca mais
vou ser tímida ou caprichosa. Deste-me
como ornamento a tua espada. Não preciso
mais dos enfeites de boneca.


Essa que ficou sempre na
profundidade do meu ser, no crepúsculo de
vislumbres e percepções momentâneas; essa
que jamais retirou seus véus na luz da
manhã, essa irá ser a minha última
oferenda a ti, meu Deus, envolta na minha canção final.

As palavras a cortejam, mas não conseguiram vencê-la, e a persuasão inutilmente estendeu para ela os seus braços ansiosos.

Vaguei de país em país, conservando-a
no íntimo do meu coração, e ao redor
dela a minha vida ergueu-se e caiu, ao
mesmo tempo forte e frágil.

Embora habite sozinha e afastada, ela sempre reinou sobre todos os meus pensamentos e ações, sobre todos os meus sonos e sonhos.

Muitos bateram à minha porta,
perguntaram por ela, e foram-se embora,
sem esperança.

Ninguém no mundo conseguiu vê-la face a face, e ela continua em sua solidão,
à espera do teu reconhecimento.

A minha libertação, para mim, não está
na renúncia. Sinto o abraço da liberdade
em mil laços de prazer.

Daqui por diante eu me expressarei
em sussurros...
...Gastei muitas e muitas horas na luta
entre o bem e o mal. Mas agora o prazer do
meu companheiro de jogos nos dias vazios
é atrair o meu coração para o seu. E eu
não compreendo por que esse repentino
convite para não sei qual inútil
inconseqüência!


Cantar me enlouquece, e se eu me
desfizesse todo num vôo de canção, nada
me pesaria tanto...

RABINDRANATH TAGORE

Tradução de Ivo Storniolo



Flor de Lótus



No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.

RABINDRANATH TAGORE