Meus caros amigos 9- A Paula

Do muro da nossa casa,se via tudo.Melhor que televisão!

Primeiro conhecemos os irmãos.Dois anjinhos encaracolados,mas com perninhas que lembravam fiapos de aipim,de tão magrinhos!

Viamos com simpatia a ida e vinda do colégio,quando traziam junto com os livros,os dois pequenos franceses de cabelo compridinho,colegas de aula.

Depois,reconhecíamos a irmã mais velha,a Paula.Andar nervosinho,de marcha responsável,sempre com pressa em apurar os quatro guris prá chegar em casa,balançando os cabelos tão encaracolados quanto os irmãos.

Foi fácil fazer amizade com os pequenos,aprendemos os nomes dos jogadores de bola,na calçada que ficava quase me frente a nossa,e descobrimos outra língua na disputa:

-Árrête,Bruno! Pour móis!-Gritava o cabeludo maiorzinho.

-Lucianoooo! Chuta!-Era o Paulo César que pedia.

Bruno se metia,Christopher brigava,Paulo César pedia,mas Luciano,perninha sem força,não chutava a bola como ele queria.

E vinha então a Paula,chamar os guris para o almoço,os franceses iam embora (moravam numa rua mais acima),terminando com a partida que nem bem tinha começado.Era o verão!

A Paula era tímida,educada,por trás dos óculos ,mal olhava a gente,centrada na tarefa de ir e vir.

Um dia,paramos ela e começamos a conversar.Do nada!

Daí se descobriu que era muito adulta,com seus 13 anos.Que morava com os pais,(um pai muito alto e uma mãe muito baixinha,mas que ficava gigante quando brava!!!),os dois irmãos (fiapos encaracoladinhos)) e uma vovó queridona.

Sabatinávamos a coitada cada vez que a víamos,e a curiosidade aumentou quando os francesinhos trouxeram a irmã,Natalie,igualmente simpática,para o nosso conhecimento.Nathy logo se enturmou.Descobriu a Aninha,os guris da turma,nossa rua e nossos segredos!

Virou adepta e todos os dias vinha visitar,mesmo não trazendo ou buscando os guris.

Paulinha era diferente.Nem nome feio ela dizia sem ficar vermelha!

Gostava de notáveis Beto Guedes,Nei Lisboa,Hermes Aguino,Nelson Coelho de Castro,Raul Ellwanger(lembras?),curtia muita música brasileira,principalmente dos descolados do Sul,em pleno auge da discoteca!

Curtia os assuntos do Bonfim,embora nem com banda e música frequentasse "aquele antro de hippies!",pois era de menor.

Na verdade,simpatizava com a filosofia!Se via na roupa que usava ,quando tirava o bendito uniforme cinza da escola...daí surgia como num passe de mágica,a pequena flor rebelde do paz e amor!Jeans,mini blusas,trancinhas só de um lado,colete de crochê,desconfio que feito pela avó,aliás nunca vi uma que fosse tão juvenil com os netos e amigos dos netos como a dela,Dona Eudoxia!Contraste direto com a minha sargentona ,a Dona Leonor (Nora para os muitooo íntimos).

Era sempre verão quando a víamos,porque nas férias,ela obtinha o "direito" de ir e vir nas nossas casas.Naquela época,se levava o estudo muito à sério,e se saía só no final de semana,geralmente com a família,ou nas férias.

E,nas férias a gente ficava até mais tarde sentados nas calçadas,na garagem da Larini,no muro da minha casa ou na amoreira em frente a casa do Serginho,falando besteiras,contando novelas ou anedotas bem pesadas,cantando bobagens,cantando as músicas de protesto da época ou das novelas,ou ainda trocando idéias sobre como salvar o mundo!Paula era interessada em tudo,desde misticismo até passos de dança,ouvia com atenção,e ria feliz das asneiras que trocávamos.

Passamos os melhores reveillons de todos os tempos enturmados,pulando de casa em casa,aproveitando a "deixa" prá encher a cara de champagne,já que nestas festas,os pais deixavam a gente beber um pouquinho (e a gente é que era abusado!)

Trouxe um dia o namorado Beto,para desgosto do nosso amigo Janela,que já gostava dela de "um jeito diferente".O Beto era legal.

Mais tímido que a Paula,foi o namorado mais calado que jamais vi!Igualmente encaracolado,sempre com uma camisa de abotoar,talvez para parecer mais velho que os guris que usavam gola polo.

Mas,coitado,só parecia uma couve-flor,não tinha pescoço com esta roupa!

Junto com a Paulinha,conhecemos a prima,Marilei,que era o seu oposto :brincalhona,despachada,risonha de chorar,e muito comunicativa.

Vinha no verão também,trazendo graça e leveza nas piadas que inventava.

Mas,a Paula queria mais do que a companhia da couve,que um dia,não mais frequentava as nossas rodas de troca de sabedoria!

Gostava de idéias,se energizava com uma boa discussão,e sabe-se lá porque,,nem gostava de ler (ela mesmo me confessou anos depois).

Acho que aprendia com os olhos da alma mesmo...

Ficamos muito amigas,daquelas que virão cúmplices de olhar,de piadas internas!

Mas,como tudo na vida,voando o o tempo passou....

A gente cresceu,minha família se mudou da rua,a adolescência foi ficando cada vez mais na memória e menos nos gestos,nas visitas.

E,sem mais nada,trinta anos se passaram!

Achamos a Internet e pelo Facebook o caminho da rua,os amigos que ainda moram nela e também a Paula!

Devo dizer,ela não mudou quase nada!

A esposa e mãe de dois meninos,agora,lembra muito a menina bem humorada e tímida dos anos 70,mas pouco esconde a empreendedora dona de loja infantil,que hoje mata um leão ou mais por dia!

E,lá na galeria onde trabalha,se permite ousar!

Talvez minha amiga nem saiba,mas acho que o que mais cativa seus clientes é sua capacidade de deixar a pessoa se sentir como se fizesse parte de um clube muito exclusivo,onde ser benvindo é mais que o usual! A gente se sente em casa na loja!

No dia do seu aniversário,fizemos um auê lá,junto com seus familiares e convidados-clientes.Nem sabia quem era o que,de tão legal que estava!E,provando que o mundo é redondinho e pequeno,embora a meiga Paulinha não conheça a ogra da Dê,descobri que a filhinha da Dê(do texto anterior) conhece e é muito amiga do filho mais velho da Paulinha!

Engraçado,agora a chamo de Paulinha...Acho que aproxima mais a gente das molecas que um dia fomos e permanecem escondidas até que ,inconvenientes que são,dão aquela escapadinha e aprontam nas situações mais inesperadas!Adoro estas meninas!Paulinha vem aqui em casa domingo,vamos fazer um sarau.Pensei em ler este texto prá ela...devo?

Brigeth
Enviado por Brigeth em 30/04/2013
Reeditado em 30/04/2013
Código do texto: T4266756
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